O farmacêutico que revolucionou a história regulatória e sanitária no Brasil

“Para ter sucesso como farmacêutico, é preciso, fundamentalmente, fazer o que gosta... e fazê-lo bem feito. Isso trará realização e ajudará a manter o foco”. Eu mesma gostaria de ter dito esta frase...mas não! Sua autoria é de um dos maiores líderes do mercado farmacêutico... desde sempre! E saiba que sua atuação à frente de importantes instituições tem mudado o rumo da história farmacêutica no Brasil.

Claro que estou me referindo a Dirceu Raposo de Mello, que foi presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre 2005 e 2010, e foi presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF–SP), no período de 1998 a 2003. Atualmente, preside o Conselho Científico do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico.

Considerado um líder polêmico e com mãos de ferro, Raposo (como é conhecido) fez uma carreira brilhante à frente dos mais exigentes e importantes órgãos reguladores nacionais, tendo lidado com os mais diversos e polêmicos temas referentes à manutenção e à recuperação da saúde e à preservação da vida no Brasil.

Embora ele seja uma figura proeminente nesse cenário - e dispense apresentações - vale destacar, também, parte de sua atuação fora da Anvisa e do CRF-SP. Ele é doutor em Análises Clínicas, mestre em Ciências da Saúde e especialista em Bioética, Administração Hospitalar, Análises Clínicas e Toxicológicas, Patologia Clínica e Farmácia Homeopática. Foi servidor público da Prefeitura de São Paulo, diretor do Sindicato dos Farmacêuticos do Estado de São Paulo e atuou como conselheiro do Conselho Federal de Farmácia (CFF).

Apesar da atuação brilhante nesses órgãos, seria importante salientar o período em que a Anvisa se estabeleceu como uma referência, nacional e internacional, para a regulação de objetos da vigilância sanitária, que foi entre 2005 e 2010, ou seja, nos seis anos em que se tornou uma instituição reconhecida pela sociedade como a guardiã da confiança e do respeito em sua área de atuação. E foi este o período presidido por Raposo, cujas ações revolucionárias favoreceram, prioritariamente, o bem-estar da população. E elas perduram até os dias atuais.

Conheça, a seguir, um pouco sobre a trajetória transformadora de Raposo por meio de algumas de suas mais importantes ações à frente da Anvisa.

ICTQ – O senhor propôs, e a Anvisa aprovou, a RDC 44/10, que é considerada um avanço no setor farmacêutico. Como o senhor vê isso?

Dirceu Raposo de Mello - A RDC 44/2010 foi um importante passo na regulação sanitária com forte balizamento ao mercado farmacêutico. Ela reforça a importância de as farmácias agirem como estabelecimentos de saúde, trazendo o controle de forma efetiva à dispensação dos antibióticos. A resolução mudou as regras para o comércio e dispensação desses produtos, exigindo a apresentação de duas vias da receita médica, o que evita seu uso indiscriminado e, em consequência disso, o aumento da resistência das bactérias a esses medicamentos. Essa mudança foi possível porque as receitas com as substâncias antimicrobianas de uso sob prescrição médica tiveram as vendas registradas no SNGPC.

ICTQ – Falando nisso, o senhor criou o SNGPC. Ele ainda é outro ponto polêmico?

Dirceu Raposo de Mello – Primeiro, em nome da verdade eu não criei. O projeto já existia, enquanto ideia, quando cheguei à Agência. Meu papel foi, na verdade, materializá-lo e, sem dúvida, ele é um avanço. O Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) aprimora o monitoramento e a fiscalização de substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. O sistema possibilita o controle efetivo da movimentação desse tipo de substâncias nas farmácias e drogarias, como anorexígenos e antidepressivos e também mais recentemente de antibióticos.

Com o SNGPC, os estabelecimentos informam, via internet, os dados sobre compra, venda, transferência e perda de medicamentos controlados e outros, possibilitando a rápida identificação de problemas, como desvios etc.

Antes, esse processo era feito em livros de registro. As informações disponíveis atualmente no sistema são detalhadas, incluindo, por exemplo, o nome do prescritor e do estabelecimento distribuidor. Assim, a Anvisa pode acompanhar o uso desses produtos e, em caso de irregularidades, adotar medidas imediatas, em conjunto com as vigilâncias sanitárias dos estados e municípios.

ICTQ – O senhor e sua equipe propuseram a RDC que redefiniu as Boas Práticas para Farmácias e Drogarias. Como isso se deu?

Dirceu Raposo de Mello – A norma foi definida em 2009 e visa à prestação de serviços de assistência farmacêutica em farmácias e drogarias, como a aferição de pressão arterial e o monitoramento de parâmetros fisiológicos e bioquímicos, por exemplo.

Além disso, de acordo com a legislação, somente produtos relacionados à saúde podem ser comercializados em farmácias e drogarias, como medicamentos, cosméticos, produtos de higiene pessoal e produto de saúde para uso por leigos, entre outros.

É preciso salientar que essa foi outra norma bastante polêmica, pois o varejo farmacêutico no Brasil comportava-se de maneira, a meu ver, até desrespeitosa para com o paciente. Muitos empresários e entidades¸ na época, insurgiram-se contra as medidas, alegando que, por exemplo, a prática comercial de outros produtos era comum nos Estados Unidos. O fato é que isso é uma verdade pela metade. Nos Estados Unidos, vende-se de tudo (ou quase) em farmácias, mas lá o tratamento dado ao medicamento é diferente do de outros produtos. Lá, a área reservada à farmácia não funciona se o farmacêutico não estiver presente. Quando o farmacêutico está almoçando não se vendem medicamentos que necessitam de receita, por exemplo. Se quiser seguir esse modelo, eu topo, mas integralmente, sem o jeitinho brasileiro.

ICTQ – Com relação aos medicamentos manipulados, por que a Anvisa decidiu regulamentar suas atividades?

Dirceu Raposo de Mello - Entre 2004 e 2007, equipes da Anvisa trabalharam na regulamentação das atividades de manipulação em farmácias. A RDC 214, de 2006, que foi atualizada em 2007 pela RDC 67, fixou os requisitos mínimos para a manipulação de medicamentos, abrangendo questões relacionadas a instalações, equipamentos, recursos humanos, aquisição e controle de qualidade da matéria-prima. Ela é muito importante, na medida em que traz também as exigências para o armazenamento, conservação, transporte e atenção farmacêutica aos usuários. Seu objetivo é garantir a qualidade, segurança, efetividade e promoção do uso racional de medicamentos manipulados. A medida, sem dúvida, trouxe uma série de exigências que foram vistas primeiramente como problemas não relevantes pelo mercado, mas que se mostraram absolutamente eficientes em melhorar a atividade no País. Muitas empresas que tinham condições precárias de funcionamento foram instadas a se adequar, e as que o fizeram estão hoje concorrendo em condições muito melhores. Ganhou o setor em organização, respeito e confiança, e ganhou a sociedade em segurança, eficácia e qualidade.

ICTQ – Sua equipe também trabalhou no registro de insumos farmacêuticos, certo?

Dirceu Raposo de Mello – Instituímos a DC 57/2009, que tornou obrigatório o registro dos insumos farmacêuticos ativos. A nova regra passou a incentivar a indústria nacional de insumos, além de melhorar as garantias sanitárias dos medicamentos utilizados pela população. Com o registro de insumos, produtores nacionais e internacionais têm que atender a critérios mínimos para produzir e comercializar seus produtos.

O registro tem validade de cinco anos e pode ser revalidado por períodos iguais. A agência publicou ainda uma instrução normativa (IN 15/2009) que definia os prazos, cronogramas e priorizações para o registro.

ICTQ – Mudando de assunto, qual a importância das parcerias, principalmente com o SUS, efetivadas em sua gestão à frente da Anvisa?

Dirceu Raposo de Mello - No começo de meu mandato, demos início a um verdadeiro processo de reformas institucionais, com o objetivo de alcançar maior eficiência e qualidade nas ações da Agência. O primeiro passo foi participarmos firmemente do Pacto pela Saúde, e dentro dele do Programa Mais Saúde: Direito de Todos, do SUS. A Anvisa participou na construção, apoio e implementação dos programas, que tiveram impacto direto no desempenho institucional da Agência.

Lembro que o então presidente do Conselho Nacional de Saúde entre 2006 e 2010, Francisco Batista Júnior (também farmacêutico), apoiou nossa ação, dizendo: “Num sistema grandioso, como o SUS, as ações de prevenção de doenças e de promoção da saúde têm sofrido resistências, em função dos interesses que são atendidos pelo modelo de atenção vigente pautado no tratamento da doença. Invertendo prioridades de forma positiva, entre 2005 e 2010, a Anvisa cumpriu um papel estratégico, mudando paradigmas e estruturando a rede de proteção à saúde das pessoas no SUS”.

ICTQ – Ainda sob a ótica da gestão institucional, como surgiu o Prêmio de Inovação na Gestão Pública?

Dirceu Raposo de Mello – Bem, diga-se oportunamente que esse era um prêmio instituído pelo Governo Federal a partir de sua escola de Administração Pública. Ocorre que ao assumirmos a direção da Agência, definimos com a Diretoria Colegiada três pilares para a gestão: Transparência, Excelência e Descentralização.

Assim, no sentido da melhoria da gestão da Agência, o Programa de Implantação e Aperfeiçoamento da Gestão da Qualidade (Pimaq) foi talvez o primeiro dos muitos programas instituídos para dar suporte ao alcance dos objetivos projetados. O resultado desse nosso esforço foi o prêmio da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), no 11° Concurso Inovação na Gestão Pública Federal em 2006, com o trabalho Melhoria de gestão com foco no trinômio: pessoas, processos e tecnologia de informação. Em 2007, o Pimaq foi substituído pelo Programa de Modernização da Gestão do Governo Federal.

ICTQ – O senhor se orgulha por dar mais agilidade no trâmite documental da Anvisa. Qual foi o impacto dessa ação?

Dirceu Raposo de Mello – Importante dizer que a Anvisa foi a primeira agência reguladora a contar com normas próprias para definir o tempo obrigatório de arquivamento dos documentos produzidos e recebidos pelas diversas áreas da instituição. Também foi a precursora no estabelecimento de prazos específicos para guarda e destinação de documentos concedidos ao setor regulado, como autorizações de funcionamento, registros de produtos, licenças de importação, entre outros.

Acesso às informações de forma simples, ágil e segura foram os principais benefícios decorrentes do Programa IPE – do Impresso para o Eletrônico. Essa foi mais uma estratégia que implementamos para a modernização da gestão da Anvisa.

Esse programa, iniciado em 2009, permitiu a migração do papel para a documentação eletrônica. Para isso, foram utilizados recursos como a digitalização de documentos, a construção de um sistema para a gestão eletrônica de toda a documentação da Agência, assim como a definição dos fluxos para produção, classificação, avaliação, tramitação e arquivamento dos documentos. O programa foi um sucesso e atingiu, em sua fase inicial, a marca de 20 milhões de folhas digitalizadas.

 

ICTQ – Ainda na questão do tratamento das informações, o senhor foi o responsável pelo acesso eletrônico?

Dirceu Raposo de Mello – Sim. Nós instituímos, em nossa gestão, a Plataforma Eletrônica de Serviços em Vigilância Sanitária. Abrangendo inúmeros recursos e possibilidades, a plataforma passou a atuar em diversas frentes e de variadas formas, buscando atender às necessidades identificadas pela Anvisa no que se refere à gestão da informação. O primeiro passo dado naquela época foi o embrião para a implantação do registro eletrônico de medicamentos.

Ressalte-se que, por estarmos conscientes da importância da pesquisa em vigilância sanitária e preocupados com as ações desenvolvidas nesse sentido, criamos, em 2006, a Comissão de Pesquisas em Vigilância Sanitária (Copesq), para delinear a estrutura do plano estratégico de pesquisa nesse campo de atuação, além de promover a articulação com órgãos de fomento e instituições de pesquisa, contribuindo para a expansão da produção técnico-científica em vigilância sanitária. No ano seguinte, apresentamos o Plano Estratégico de Pesquisa em Vigilância Sanitária, o Pep-Visa, para orientar e incentivar a pesquisa na área, além de buscar a transparência e o aperfeiçoamento da aplicação dos recursos nesse setor.

Outro exemplo: criado em 2008, o Diretório de Conhecimento em Vigilância Sanitária, DCVisa, é um serviço de governo eletrônico que permite aos integrantes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e aos demais profissionais que se relacionam com a vigilância sanitária, o registro de seus conhecimentos, experiências e capacitações nessa área da saúde.

ICTQ – Como o senhor conseguiu que a Anvisa se tornasse referência também para outros países?

Dirceu Raposo de Mello – Mais uma vez quero ressaltar que a visibilidade e o respeito conquistados pela Agência não são frutos de uma pessoa ou de uma só gestão, são frutos de toda uma equipe envolvida e competente que se dedica a isso e da qual tenho muito orgulho de ter feito parte. Mas respondendo a sua pergunta, além dos avanços ocorridos em âmbito nacional, a regulação e a avaliação econômica de medicamentos no Brasil também obtiveram grande destaque internacionalmente, tornando-se referência para muitos países. Por exemplo, em 2007, representantes dos governos do Uruguai, da Colômbia e da República de Cabo Verde visitaram a Agência para conhecer o nosso trabalho na área.

No ano seguinte, foi a vez de Cuba, que veio representada pelo Centro para Controle Estatal de Qualidade de Medicamentos (Cecmed). Ainda em 2008, a Agência recebeu representantes de Moçambique. Além de conhecer detalhadamente o papel da Anvisa na regulação e monitoramento econômico de medicamentos, alguns desses países também estabeleceram termos de cooperação técnica, como é o caso de Cuba, Cabo Verde e Moçambique.

 

13 – Ainda na linha internacional, a Anvisa também se aproximou da FDA?

Dirceu Raposo de Mello – Bem lembrado! Em setembro de 2010, a Anvisa e a FDA – uma das principais entidades reguladoras do mundo - anunciaram em Washington um termo de confidencialidade, possibilitando uma maior aproximação nas áreas de inspeção, registro e vigilância pós-mercado. Na prática, a medida visava melhorar as trocas de informações sobre medicamentos e produtos médicos, e talvez no futuro diminuir a necessidade de inspeções e acelerar a avaliação sobre entrada e retirada de produtos do mercado.

O acordo com a mais antiga agência de regulação do mundo expressa um reconhecimento da qualidade do nosso trabalho, tanto é que a diretora Adjunta de Programas Internacionais da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, Lou Va ldez, disse: “Ficamos muito honrados em receber a delegação de alto nível da Anvisa na sede da FDA. Durante nosso encontro, o então diretor-presidente Dirceu Raposo e a presidente Hamburg assinaram um acordo entre a Anvisa e a FDA para compartilhar informações confidenciais, com o objetivo de fortalecer a cooperação entre as duas agências para proteger e promover a saúde e a segurança de nossas populações. A FDA tem muito a aprender com a Anvisa. Na verdade, nós podemos aprender muito uns com os outros. Por isso, nós nos dedicamos a trocar informações sobre nossas respectivas estratégias e processos regulatórios”.

ICTQ – O senhor poderia dizer que sua atuação foi uma das mais frutíferas da história da Agência?

Dirceu Raposo de Mello – Não desejo e nem devo ser pretencioso a tal ponto. Credito o sucesso daquele período a todo o grupo de colaboradores que nos acompanharam naquela jornada. Eu diria que minha atuação foi pautada por um impulso transformador e realizador. Meus parceiros podem confirmar isso. Um excelente exemplo é o depoimento do gestor de Relações Institucionais da Pastoral da Criança, Clóvis Boufleur: “Como dizer para a sociedade que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) faz muito mais que publicar normas sobre medicamentos e fiscalizar? Esta pergunta orientou a parceria com a Pastoral da Criança, que se iniciou em maio de 2005. Com linguagem simples, direta e inovadora, construímos uma estratégia de comunicação e materiais educativos que levaram informações sobre saúde, higiene e prevenção às comunidades mais pobres do Brasil. Falamos das diversas áreas de atuação da Anvisa. Mostramos como a Vigilância Sanitária faz parte do cotidiano das pessoas. Utilizamos os meios de comunicação de rotina da Pastoral da Criança, como jornais e as parcerias com mais de duas mil rádios espalhadas pelo país. A notícia chegou aos lugares mais distantes, e mudou o jeito das pessoas falarem sobre a Vigilância”.

Para saber mais sobre o tema, acesse o relatório da Anvisa: Gestão 2005-2010 - principais realizações

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