Farmacêutico, convenhamos...se alguém pedisse para você citar um dos mais importantes nomes do cenário nacional, que revolucionou a profissão farmacêutica no Brasil, você nem iria hesitar! Sua resposta, certamente, incluiria no nome de Walter Jorge João.
Claro que a atuação dele à frente do Conselho Federal de Farmácia (CFF) transformou a atuação farmacêutica neste País e colocou o próprio farmacêutico como protagonista recente nos cuidados da saúde da população.
Como todos sabemos, você também sabe que Jorge João desenvolveu ações que alteraram profundamente o curso da história da profissão farmacêutica e do próprio órgão que preside, o CFF. A primeira delas foi unir os farmacêuticos em torno de uma meta: a de se fortalecer!
Fortalecidos, eles lutaram e tiveram conquistas históricas, como as gestões do CFF junto ao Ministério do Trabalho que resultaram na inclusão de novas atividades farmacêuticas na atualização do rol da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Oito ocupações (áreas de atuação) e 117 sinônimos (especialidades) constam, na Classificação, para a profissão farmacêutica.
Outra gestão vitoriosa de Jorge João, no CFF - e a mais recente na história da entidade - levou à aprovação da inclusão do consultório farmacêutico e dos serviços prestados por farmacêuticos na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e sua Comissão Nacional de Classificação (Concla).
Ainda no sentido de valorizar a profissão, Jorge João trabalhou na criação do Fórum Nacional de Luta Pela Valorização da Profissão Farmacêutica, que reúne o CFF e representações da profissão, a exemplo da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), sindicatos, Federação Interestadual dos Farmacêuticos (Feifar), Associação Brasileira de Educação Farmacêutica (Abef), entre outras. O Fórum é permanente e tem o objetivo de promover a qualificação da intervenção farmacêutica (técnica, política, assistencial) na sociedade e lutar para aprovar os projetos de lei e propostas de emendas constitucionais de interesse a profissão.
O Fórum foi o alicerce para a criação da Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica. A Frente encabeçou um movimento, no Congresso de Nacional, que resultou na aprovação da Lei nº 13.021/14, que reviu o modelo de farmácia no Brasil e reiterou a obrigatoriedade da presença do farmacêutico durante todo o tempo de funcionamento das farmácias.
Antes, o CFF havia aprovado as resoluções 585/13 e 586/13 que, respectivamente, regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico e regula a prescrição farmacêutica.
Jorge João encabeçou este conjunto normativo, composto pelas resoluções do CFF e pela Lei 13.021/14, que fortalece os serviços clínicos prestados pelos farmacêuticos, reforça a política do uso racional de medicamentos, leva à adesão ao tratamento e reduz as internações hospitalares evitáveis.
Este paraense, Walter Jorge João, além de presidente do CFF, é conselheiro pelo Estado do Pará. Ele foi membro das Comissões de Tomada de Contas e de Legislação e Regulamentação do CFF, é membro titular da Academia Nacional de Farmácia.
Ele se graduou em Farmácia Bioquímica pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 1973. Em seguida, fez mestrado em Ciência dos Alimentos e Nutrição pelo Instituto de Nutrición de Centro America y Panamá (INCAP), na Guatemala. Foi professor, por 23 anos, da mesma Universidade em que se formou, da qual foi, também, Chefe de Departamento e Diretor do Centro de Ciências da Saúde, entre outros cargos na área da pesquisa.
Conheça, agora, mais alguns de seus pensamentos e opiniões e em uma entrevista exclusiva ao portal do ICTQ, na série Líderes Farmacêuticos.
ICTQ – Como o senhor avalia a evolução da profissão farmacêutica no Brasil?
Walter Jorge João - A profissão farmacêutica vem experimentando um complexo processo de expansão e fortalecimento, a partir dos anos 2000, ancorado em um vasto arco de fatores. As novas necessidades em saúde, as políticas públicas para o setor, as resoluções e outras ações do CFF são definidores do crescimento profissional. Some-se a eles o momento prodigioso de efervescência e de mudanças no pensamento farmacêutico, marcado por buscas e desejo de renovação em todos os segmentos profissionais. Exemplo é o aprofundamento das práticas clínicas, que culminou com a regulamentação recente, pelo CFF, da prescrição farmacêutica e das atribuições clínicas do farmacêutico. Tudo dá à farmácia o real sentido de novo e de crescimento.
ICTQ – O senhor acredita que essas novas e crescentes atribuições do farmacêutico se devem a mudanças no perfil da saúde pública?
Walter Jorge João - As novas necessidades em saúde têm origem, em grande parte, no envelhecimento da população que, por sua vez, tem relação direta com o aumento do número das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Esse é um fenômeno novo, com profunda repercussão na saúde. As doenças crônicas já são o problema de saúde de maior relevância no Brasil. Elas correspondem a 72% das causas de mortes e de 75% dos gastos com atenção à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). A previsão é que, em 2020, as DCNT sejam responsáveis por 80% da carga de doenças dos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil.
ICTQ – Além do envelhecimento, que outros fatores podem impactar esse cenário?
Walter Jorge João - Ter uma compreensão de todo esse fenômeno, em sua inteireza, requer uma reflexão que deve transcender o universo sanitário e alcançar as questões culturais, ambientais e socioeconômicas do mundo moderno. Essas doenças são, em parte, uma decorrência das transformações vividas pela sociedade, como os processos de transições demográfica, epidemiológica e nutricional; o estresse; o tabagismo ativo e passivo; as dietas carregadas em gordura, sal e açúcar; o sedentarismo; e o consumo abusivo de bebidas alcoólicas.
ICTQ - O senhor considera esse como um os maiores desafios para os farmacêuticos na atualidade?
Walter Jorge João – Sim. Há outros fatores de risco que também têm relação direta com a pandemia das doenças crônicas, a exemplo da pobreza, do desemprego, da instabilidade social, a dificuldade de acesso aos bens, aos serviços e à informação, entre outros. Estamos, portanto, diante de uma nova e assustadora realidade que pesa, como um enorme desafio, sobre os ombros dos farmacêuticos.
A transição demográfica tem levado à expansão da oferta de cuidados clínicos pelos farmacêuticos. Afinal, entre os idosos, há uma alta prevalência de doenças crônicas. Cerca de 80% deles tem pelo menos uma doença, como o diabetes e a hipertensão. Significa dizer que pessoas dessa faixa etária têm uma necessidade três vezes maior de fazer uso de medicamentos, que são um poderoso (se não o maior) processo de intervenção, no sentido de melhorar o seu estado de saúde. Mas o uso simultâneo de vários fármacos predispõe à ocorrência de interações medicamentosas indesejáveis. Aproximadamente 19% das admissões hospitalares entre pacientes idosos têm origem nas reações adversas a medicamentos.
ICTQ – E qual o papel dos serviços farmacêuticos nesse contexto?
Walter Jorge João - Esta realidade requer a intervenção farmacêutica, para garantir a segurança no uso dos medicamentos. Os serviços farmacêuticos prestados, no âmbito da atenção primária, são o grande trunfo que o Brasil tem para promover a saúde e controlar as doenças crônicas não transmissíveis. E, atualmente, os farmacêuticos contam com a regulamentação das atribuições clínicas e da prescrição. Esses serviços vieram reforçar o arsenal clínico de que o farmacêutico dispõe para levar mais saúde às pessoas. As práticas clínicas abriram um leque de novas possibilidades e estão acelerando a diversificação e o fortalecimento profissionais, além de consolidar a autoridade técnica do farmacêutico.
ICTQ – O senhor acha que a sociedade já percebeu isso?
Walter Jorge João – Claro! Eu gostaria de salientar que, ao mesmo tempo em que se fortalece, a profissão farmacêutica se diversifica em ritmo inesperado. Para se ter uma ideia deste processo, basta dizer que o número de ocupações saltou, em um curto espaço de tempo, de dois para oito, e o número de sinônimos (especialidades farmacêuticas sobre as quais dispõem as resoluções do CFF) passou de 19 para 117 na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho. Esses números revelam o reconhecimento da sociedade e do mercado aos campos de atuação do farmacêutico. O CFF está atento à diversificação profissional. Tanto que regulamentou, por meio de resoluções, todas as atividades que surgiram, nos últimos anos.
ICTQ – A inclusão dessas novas atividades vem atender alguma demanda da sociedade?
Walter Jorge João – Sim. É oportuno ressaltar que as novas áreas de ocupação e as atividades profissionais farmacêuticas passaram a constar da CBO a partir de 2013. A inclusão dessas ocupações na CBO é fruto do empenho do CFF junto ao Ministério do Trabalho. A mais recente regulamentação realizada pelo CFF é a floralterapia, área que vem experimentando um enorme crescimento. Antes, regulamentamos a saúde estética que, ressalte-se, é uma das mais promissoras atividades farmacêuticas nos últimos cinco anos. A profissão diversifica-se, porque precisa responder às inúmeras necessidades em saúde e às demandas do mercado.
ICTQ - E os profissionais estão qualificados para atuar nessa nova realidade?
Walter Jorge João – Acredito que, por trás da diversificação, está a busca por qualificação por parte dos profissionais. E o fazem, para atender bem à sociedade. A diversificação e a qualificação relacionam-se diretamente com as conjunturas sanitária, social e mercadológica contemporâneas.
Importa lembrar que as transformações no contexto da saúde, no mundo inteiro – e não é diferente, no Brasil –, estão forçando o surgimento de uma redefinição na prestação dos cuidados. O objetivo é buscar uma nova organização e divisão do trabalho, com vistas a se encontrar soluções para a crise de financiamento dos sistemas público e privado de saúde, para que se vença o desafio de assegurar o acesso a esses sistemas, respeitada a questão do custo-efetividade.
ICTQ – Como o farmacêutico está reagindo a essa novas demandas?
Walter Jorge João - As últimas décadas trouxeram um impressionante aumento da demanda da assistência, a incorporação de tecnologias e a necessidade de sustentabilidade do seu financiamento. O farmacêutico está no centro desse contexto. Os seus papeis de educador em saúde, de prestador de cuidados clínicos e de orientador sobre o uso correto do medicamento acenam para o fortalecimento da prevenção de doenças e para a promoção da saúde.
ICTQ - O CFF tem feito um trabalho consistente para a regulamentação dessas novas atividades, certo?
Walter Jorge João – Certíssimo! O CFF entendeu que o crescimento da profissão e as transformações na saúde precisavam acontecer em harmonia com a legislação. Por isso, o órgão uniu a categoria e fez um trabalho exaustivo de sensibilização do Congresso Nacional, com vistas à aprovação de uma lei que reiterasse a obrigatoriedade da presença dos farmacêuticos nas farmácias, e que as transformasse em verdadeiros estabelecimentos de saúde.
Assim, foi aprovada a Lei 13.021/14 que, em consonância com as resoluções do CFF, está emprestando novas cores para que se reescreva a história da profissão no País. As resoluções a que me refiro são as de números 585 e 586, ambas de 29 de agosto de 2013, que regulamentam, respectivamente, as atribuições clínicas do farmacêutico e a prescrição farmacêutica.
ICTQ - Essa legislação já tem mudado completamente o perfil de atuação do farmacêutico no País?
Walter Jorge João - Esse conjunto normativo fez crescer muito o interesse dos profissionais pela qualificação na área clínica. Atualmente, a clínica é a área que mais atrai os farmacêuticos para a qualificação, quer ele atue nas farmácias particulares, como nas da rede pública. Falar em rede pública, um dos idealizadores do SUS, o sanitarista mineiro Eugênio Vilaça, em seu livro Redes de Atenção à Saúde, cita a farmácia clínica como condição para o sucesso do novo modelo, no âmbito da atenção primária. Ao se referir a esse nível de atenção, o sanitarista declara que a condição para que a reestruturação do SUS seja bem-sucedida está na inclusão da farmácia clínica no Sistema.
A identificação do farmacêutico com a filosofia da farmácia clínica o aproximou do cidadão usuário e não do medicamento, e o levou a assumir importante papel social num momento decisivo em que o Brasil planeja uma nova saúde pública.
ICTQ – Uma das mais recentes conquistas da categoria foi a inclusão das atividades clínicas na CNAE. Como o senhor avalia isso?
Walter Jorge João – Foi uma vitória! O CFF agiu ativamente para a aprovação da inclusão do consultório farmacêutico e dos serviços prestados por farmacêuticos na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e sua Comissão Nacional de Classificação (Concla). A CNAE é uma classificação para padronizar os códigos de identificação das unidades produtivas do País nos cadastros e registros da administração pública nas três esferas de Governo, em especial, na área tributária. O número da CNAE é 8650-0/99 para consultórios farmacêuticos e para serviços prestados por farmacêuticos clínicos.
A inserção na CNAE regulariza a atuação do farmacêutico clínico em ambiente apropriado ao cuidado farmacêutico, com a privacidade e o conforto de que os profissionais e os pacientes necessitam. Assim, os farmacêuticos têm, agora, o respaldo burocrático e legal que faltava para a instalação de seus consultórios e a prestação de seus serviços.