Dirceu Raposo: pensamento atual dezesseis anos depois

O presidente do Conselho Científico do ICTQ rebate o que ele chama de estímulo governamental ao consumo irracional de medicamentos em artigo publicado em 1998. Entenda o que mudou com sua atuação.

Nós, farmacêuticos e profissionais que atuam nesse mercado, trabalhamos pela saúde pública e a segurança do cidadão, evitando sempre o consumo irresponsável de medicamentos e a automedicação. Essa luta não é de hoje. Para se ter uma ideia, o presidente do Conselho Científico do ICTQ e ex-presidente da Anvisa,e do CRFSP Dirceu Raposo de Mello, já está nesse caminho há muito tempo.

Em 1998, à época na qualidade de Presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), em resposta ao Projeto de Lei 3650/97, Raposo escreveu um artigo acalorado à Revista do Farmacêutico, opondo-se veementemente às práticas governamentais de saúde pública do momento.

Atualmente, dezesseis anos depois, podemos constatar que muitas atitudes governamentais mudaram em virtude da atuação direta de Dirceu Raposo. Podemos ressaltar, em especial, a necessidade da estruturação da VISA - Anvisa, a reprovação do projeto de lei que liberava medicamentos para serem comercializados em supermercados e a criação do Programa de distribuição gratuita de medicamentos (Farmácia Popular).

O artigo de Raposo, a seguir, foi publicado em 1998 no editorial da Revista do Farmacêutico. O material vale a pena ser lido, já que levanta aspectos históricos na farmácia brasileira, a visão avançada do autor para a época e evidencia a nossa evolução na saúde pública, mas também deixa claro que ainda temos muito para construir. Boa leitura.

Eugênio Muniz
Diretor Executivo do ICTQ

Medicamento não rima com mercado

Está pronto para ser votado na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal, um projeto substitutivo da deputada Alcione Athaide, com parecer favorável à comercialização de medicamentos em supermercados. Ela baseia seu relatório no projeto de lei do governo, PL 3650/97, que diz textualmente: as drogas e medicamentos que não dependam de receita médica terão venda livre nos supermercados, empórios, lojas de conveniência e drugstores. De modo que, o governo não está pensando em permitir a venda de remédios em supermercados, ele está agindo para que isto ocorra.

Frente à disparada dos preços dos remédios que penaliza duramente a grande maioria da população, ou seja, pobres, aposentados, usuários de medicamentos de uso contínuo, que estão impedidos de cuidar de sua saúde, o governo aponta como saída para este gravíssimo problema de saúde pública, aumentar a concorrência comercial, permitido aos supermercados entrar na parada. Frente à calamidade próxima, o governo chama o deus MERCADO para resolver o problema. É fantástico!

É fácil entender porque os monopólios da área supermercadista e da poderosa indústria farmacêutica, representados pela ABRAS e ABIFARMA, pressionam e ficam felizes com esta medida. Seus fabulosos lucros vão crescer ainda mais.

Mas, é inaceitável que o governo, que deveria zelar pela saúde pública e a segurança do cidadão, possa ser conivente a ponto de estimular o consumo irracional, irresponsável e impróprio de medicamentos, dando asas à cultura da automedicação e seus efeitos deletérios. E, além disso, iludir o cidadão acenando com a baixa de preços.

O governo dá o mau exemplo em todos os sentidos. Primeiro, tratando medicamento como se fosse uma mercadoria qualquer, vendido em qualquer balcão, sem profissional habilitado e orientação ao cidadão. Em segundo lugar, passando a falsa ideia de que a forma possível de reduzir preços de medicamentos é vendê-los em grande escala nos supermercados.
É fato constatado, e amplamente divulgado, que os medicamentos são responsáveis por um em cada quatro casos de intoxicações. O governo detém a informação de que 10% das internações hospitalares advêm de problemas decorrentes de automedicação e intercorrências adversas ao uso de medicamentos. Qual o custo disto para o cidadão e o raquítico orçamento da saúde?

O consumo de qualquer medicamento tem um risco implícito, e sua venda deve estar condicionada a locais que realmente proporcionem a especificidade que ele exige, um ambiente compatível com o ato de dispensar medicamento, que significa garantir orientação e segurança para o usuário. Além disso, só executado pelo profissional responsável, o farmacêutico, ou pela equipe sob sua direta supervisão.

Quem leva a sério a saúde, sabe que o mercado de medicamentos é específico, e regulado por leis próprias, sanitárias, que cuidam e disciplinam a pesquisa, produção, comercialização, prescrição e o consumo. E, num país como o nosso, onde até potentes antibióticos são vendidos sem receita médica, e o Sistema de Vigilância Sanitária é sucateado, desaparelhado, caótico e inoperante, mais do que nunca é necessário reforçar o controle sobre todo processo, para garantir a saúde da população.

Por outro lado, o governo tem como atacar os preços e aumentos abusivos e extorsivos dos remédios. A começar, por constranger a indústria farmacêutica e fazê-la escancarar seu bilionário faturamento e sua dilatada margem de lucro. Durante o primeiro mandato FHC, seu faturamento (da indústria) cresceu 25% (foi de R$ 12 bilhões em 98), enquanto diminuía o consumo em 7%, no mesmo período.

Se os preços sobem acima da inflação além da desvalorização da moeda, só o seu controle pode impedir que um bem essencial à saúde e à vida fique regulado apenas pela lei da oferta e da procura, e sujeito à sanha dos monopólios. Por outro lado, o Estado precisa resgatar e recuperar sua capacidade de produção e regulação do mercado de medicamentos. Para isso, é necessário retomar os laboratórios estatais e ampliar sua produção e, mudar também, a Lei de Patentes. Estas duas medidas capacitariam o Estado a competir e assim regular o mercado, impedindo-o de praticar preços cartelizados e agindo no sentido de coibir o monopólio de insumos e medicamentos. É necessário impedir, urgentemente, manobras protelatórias à entrada em vigor da Lei de Medicamentos Genéricos, que vem sendo articulada pela ABIFARMA e ao mesmo tempo esclarecer a população a respeito e estimular o uso de medicamentos similares. Essas duas iniciativas ajudariam em muito a derrubada dos preços. Noutro sentido, é exigência popular inadiável um plano de distribuição de medicamentos, via SUS, destinado à população necessitada, sendo indesculpável o corte de recursos da saúde para pagar compromissos com os rentistas nacionais e internacionais.

Estas medidas trariam um espetacular rebaixamento dos preços dos medicamentos, com melhoria sensível na qualidade do atendimento à população. Mas, está mais do que claro, que o governo não tem uma Política de Medicamentos, porque lhe falta uma Política de Assistência Farmacêutica, consequência da ausência de uma Política Nacional de Saúde.
Retirar imediatamente do Congresso o PL 3650/97 é uma exigência em defesa da Saúde Pública e de respeito à população.

Dirceu Raposo de Mello
Presidente do CRF-SP (1998)

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