Se observada em seu conjunto, a economia brasileira tem apresentado resultados modestos, até frustrantes, quando comparados a de outros países emergentes.
É curioso que, com um crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) em torno de apenas 2,5%, ainda possamos deparar com situações típicas de economia aquecida, como, por exemplo, índices elevados de emprego, aumento de salário real, reajustes de preços dos serviços bem acima da média, importações crescentes, rodovias saturadas, filas de caminhões na entrada dos portos, inflação persistente etc. Alguns economistas diriam que temos uma insuficiência de oferta, e não de excesso de demanda.
O problema fica mais complexo quando os dados de cada grande segmento da economia são desagregados. Fiquei surpreso ao saber que a produção de sabonetes chegou a crescer 16% e o mercado de sorvetes mais de 15%. Ou que as atividades econômicas em municípios como Rondonópolis, no Mato Grosso, ou Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, expandem-se a um ritmo de 10% ao ano!
Esses descompassos setoriais, regionais ou locais talvez gerem uma dinâmica que explique o fato de, com um crescimento médio nada espetacular, vários indicadores se mostrarem conflitantes com o conjunto. Recentemente soube que faltam dois mil motoristas de ônibus no Rio de Janeiro (RJ). Sim, a cidade está com obras de infraestrutura por todos os lados (impulsionadas tanto pela preparação dos Jogos Olímpicos de 2016 como pelos investimentos que envolvem a cadeia produtiva da indústria do petróleo). Dirigir uma betoneira de concreto, um caminhão basculante ou um trator tem sido mais atrativo, profissionalmente, do que se estressar em vias engarrafadas, atendendo a uma clientela que reclama da qualidade do serviço oferecido.
Nesse ambiente, será um desafio contratar, e treinar em prazo curto, pessoal temporário para trabalhar em funções que direta ou indiretamente se relacionarão com a Copa do Mundo. E não se trata somente das localidades que servirão de sede para os jogos. Pelo número de inscrições de candidatos que se inscreveram pela internet para comprar ingressos na Copa, é quase certo que a previsão de que 600 mil turistas estrangeiros virão ao Brasil nas semanas dos jogos já esteja defasada. E os deslocamentos de uma cidade sede para outra movimentarão um milhão de brasileiros de diferentes Estados.
O futebol é, sem dúvida, atualmente o evento esportivo – e de entretenimento – que mais desperta interesse do público no planeta. Virão dos Estados Unidos, onde o que eles chamam de soccer tem feito mais sucesso entre as meninas, mais torcedores do que da vizinha Argentina. Na Espanha, em crise profunda, os estádios estão sempre cheios. As transmissões pela TV alcançam sempre índices elevados de audiência (é provável que o enorme sucesso da televisão por assinatura no Brasil, que dobrou sua base de expectadores, apenas em dois anos, tenha a ver também com os pacotes pay per view dos campeonatos nacional e estaduais).
Os efeitos da Copa sobre a economia brasileira não se limitam ao período dos jogos. Começaram antes, com obras de infraestrutura, e se estenderão por vários meses, em decorrência do turismo motivado pela exposição que o País terá durante o evento. Somados, esses efeitos poderiam corresponder a um acréscimo de 1,5 ponto percentual no nosso PIB. Nas projeções para 2014 talvez os economistas estejam subestimando esse impacto da Copa.
2014 será um ano de eleições gerais. O Governo fará grande esforço (inclusive por interesse eleitoral) para que as concessões de infraestrutura saiam do papel – aeroportos, portos, rodovias, ferrovias e hidrovias. Os governantes que pretendem se reeleger ou trabalham por seus aliados políticos têm até junho para cortar a “fita” de inauguração de obras. Empenhos (equivalente a autorizações para novos gastos públicos) relativos à contratação de obras não emergenciais não poderão ser feitos no segundo semestre.
Um crescimento da ordem de 3,5% em 2014 seria então plausível, apesar das taxas de juros mais salgadas que o Banco Central tem sido obrigado a adotar para que a inflação não saia de controle. Do câmbio não devem vir pressões inflacionárias expressivas (embora previsões sobre o comportamento de moeda costumem desmoralizar quem se arrisca a fazer prognósticos sobre elas), mas os combustíveis ficarão mais caros, assim como a energia elétrica. Em 2014, os governantes não vão querer o risco de postergar reajuste em tarifas de transporte. Os reajustes correrão até março ou ficarão represados, como bomba relógio, para 2015.
Por causa de todas essas peculiaridades, algumas multinacionais do setor farmacêutico trabalham com a hipótese de o Brasil se tornar o quarto mercado de medicamentos no mundo, avançando pelo menos três casas no ranking internacional. E isso não teria relação somente com as compras governamentais (o SUS ultrapassou a Associação dos Veteranos de Guerra dos Estados Unidos como maior comprador isolado de remédios no mundo). A formalização dos empregos, a manutenção dos índices de ocupação em patamar elevado, acessos a planos corporativos e a prevenção de doenças relacionadas ao ritmo de vida nos centros urbanos e ao envelhecimento da população levam mais brasileiros a negligenciarem menos com sua própria saúde.
Há segmentos correlatos ao setor farmacêutico com perspectivas similares. É o caso dos fabricantes de produtos veterinários. O Brasil já é o maior exportador de carne bovina, disputa a liderança também na avicultura e está em quinto na suinocultura. Por força da demanda de alguns países vizinhos (Venezuela, especialmente), nos tornamos também exportadores de lácteos. Além de vacinas para prevenção de doenças e medicamentos para tratamento desses animais, há uma considerável produção de produtos veterinários para o mercado de pets. Estima-se em 50 milhões (35 milhões de cães e 15 milhões de gatos) essa população. O Brasil já é hoje o segundo mercado mundial de rações para pets!
Nos pontos de varejo (farmácias e drogarias) é crescente a participação de produtos de higiene pessoal e beleza. Explica-se: já somos o segundo mercado para xampus - recentemente uma grande multinacional francesa resolveu instalar um centro de pesquisa no Rio de Janeiro por causa da potencialidade do mercado brasileiro, e porque no País temos nada menos que oito dos nove tipos de cabelo encontrados no mundo, devido à imigração de diferentes etnias – e o quarto em cosméticos. O segundo ou terceiro perfume (uma água de Colônia) mais vendido no mundo é brasileiro, devido ao grande volume de vendas domésticas.
George Vidor é comentarista econômico da Globonews e colunista do jornal O Globo.