A Anvisa estima que a informalidade no setor de medicamentos no Brasil atinja a cifra de 30% do mercado nacional. Enquadram-se nesta categoria os medicamentos falsificados, adulterados, sem registro no órgão sanitário, de origem desconhecida (fruto de roubo de carga, por exemplo) comercializados sem o recolhimento de tributos ou em desacordo com as exigências legais, inclusive de retenção de receita. Este último pode representar, inclusive, um prejuízo para os cofres públicos.
A lei federal 11.903/14 prevê um Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SncM) que estabelece o rastreamento da produção e do consumo de medicamentos por meio de tecnologia de transmissão de dados. O objetivo do sistema é controlar toda a cadeia de fabricação, distribuição e dispensação dos medicamentos, desde a produção, ou importação, até a venda ao consumidor, evitando falsificações.
De acordo com a norma, cada embalagem terá um código bidimensional (chamado Datamatrix) que contém um Identificador Único do Medicamento (chamado IUM), juntamente aos dados de data de fabricação, validade e número do lote.
A rastreabilidade previne o desvio de medicamentos ao longo da cadeia produtiva. Isso tem um impacto direto na saúde, pois quando um medicamento é roubado, por exemplo, todas as garantidas de armazenamento do produto são perdidas e isso afeta a sua qualidade. Além disso, a rastreabilidade permite identificar e retirar rapidamente do mercado lotes de produtos que possam ter problemas de qualidade. Atualmente é impossível ter certeza sobre o destino de cada caixinha de medicamento que está no mercado.
Por conta disso, no final de 2013, foi divulgada a RDC 54/13, da Anvisa, que define o dia 10 de dezembro de 2015 como prazo final para a implantação do sistema piloto nos elos da cadeia de produção, mas nem todas as empresas estão preparadas para atender à exigência. A implantação completa ocorrerá em dezembro de 2016 para todos os medicamentos comercializados e distribuídos no País.
O gerente de Operações da Oobj, empresa de soluções para documentos fiscais eletrônicos, Gustavo Santana, falou com exclusividade ao ICTQ sobre os impactos que a exigência causará ao mercado e os maiores beneficiados do sistema.
ICTQ: De que maneira a RDC irá impactar a produção de medicamentos no Brasil?
Gustavo Santana: A RDC 54/13 prevê a identificação de cada medicamento por meio do IUM – um identificador que pode ser representado por um código de barras Datamatrix, que é bem parecido com o QRCode que nós já conhecemos. A Indústria farmacêutica deve, portanto, adaptar suas linhas de produção para que sejam capazes de gerar o IUM por meio de um software e imprimir esse Datamatrix em cada medicamento. Esse é, sem dúvidas, o maior impacto da RDC, pois esses equipamentos têm alto custo e exigem adequação das linhas de produção das indústrias farmacêuticas. Além disso, os laboratórios que fazem a importação de medicamentos também deverão adquirir equipamentos para a impressão do DataMatrix.
ICTQ: E como esses códigos serão lidos?
Gustavo Santana: Como a RDC prevê a rastreabilidade completa, as distribuidoras devem adquirir leitores capazes de fazer a leitura desse código, e precisarão adquirir softwares específicos para o registro dos eventos exigidos pela Anvisa. As unidades de dispensação (farmácias e hospitais) também precisarão de um software para registrar os eventos de finalização, mas esse será o elo que sofrerá o menor impacto, pois já existem softwares gratuitos no mercado para as farmácias atenderem à RDC 54/13.
ICTQ: Falta pouco mais de três meses para a RDC entrar em vigor. Os laboratórios estão preparados?
Gustavo Santana: O prazo inicial prevê a execução de um piloto incluindo apenas três lotes de medicamentos. Isso facilita a adaptação, pois não é necessário que as indústrias adaptem todas as linhas de produção. A proposta do piloto é validar o modelo e ir ampliando a rastreabilidade aos poucos. Algumas indústrias já se adaptaram, mas a grande maioria tem adiado a aquisição dos softwares e equipamentos.
ICTQ: Que tipo de movimentação está ocorrendo para a ampliação deste prazo?
Gustavo Santana: Existem dois projetos de lei tramitando no Senado. Um prevê o adiamento da RDC e outro defende a suspensão da mesma. Como o processo de tramitação é relativamente lento, dificilmente algum destes projetos seria aprovado antes de dezembro. Ainda assim, muitas indústrias já avaliaram possíveis fornecedores, mas estão aguardando a possibilidade de prorrogação. Acreditamos que nos próximos dias muitas empresas devem assinar os contratos para iniciarem a implantação, pois correm o risco de não conseguirem implantar os equipamentos a tempo. Existem várias opções de software no mercado e há também empresas que alugam os equipamentos de impressão. Com isso, as indústrias podem atender ao piloto sem ter de fazer investimentos tão pesados.
ICTQ: Como o mercado tem se posicionado?
Gustavo Santana: a Interfarma é a favor de manter o prazo de implantação atual. A entidade indica que quase 60% dos laboratórios associados já estão preparados para a mudança e, portanto, não podem ficar prejudicados pelos demais que ainda não se adequaram. O Sindusfarma não concorda com os prazos definidos e defende a prorrogação. Para o sindicato nem todas as empresas estão preparadas e não se pode fazer uma rastreabilidade que só uma parte do mercado atende. Podemos dizer o mesmo das associações PróGenéricos e Abafarma, que indicam que o rastreamento dos medicamentos tem de ser feito com mais calma. Para elas, se o sistema for implantado com pressa, é provável que não funcione, mesmo que a Anvisa tenha concedido o projeto há dois anos.
ICTQ: Quem serão os beneficiados com a implantação do sistema?
Gustavo Santana: A Anvisa passa a ter controle total de todo o medicamento comercializado no País e isso eliminará uma prática comum que é a produção de quantidades maiores do que as informadas em cada lote, pois a identificação passa a ser por unidade e não por lote. Mas a Anvisa não é a única beneficiada. Toda a cadeia de medicamentos e o consumidor também serão beneficiados. Estima-se que 19% dos medicamentos comercializados no Brasil são falsificados. Além disso, temos números elevados de roubos de cargas de medicamentos. A RDC deve reduzir o roubo de cargas e também reduzir as falsificações, pois, por meio do IUM, conseguiremos localizar facilmente um medicamento roubado ou saber se é falsificado. Os pacientes também terão maior confiança e saberão que estão comprando medicamentos de boa procedência. Já a indústria deixará de perder receita para os falsificadores e as distribuidoras devem ter uma redução na quantidade de cargas roubadas. Existem também outros benefícios indiretos como as farmácias que poderão fazer um melhor controle da validade dos medicamentos, pois essas informações estarão centralizadas no repositório de IUMs, além da indústria de software, que terá a oportunidade de desenvolver e entregar um novo serviço a todos os elos da cadeia de medicamentos.