Os temas ligados à gestão do varejo farmacêutico são muito amplos, abrangendo os níveis operacional, tático e estratégico, sendo este último a vela responsável por definir para onde os ventos do mercado levarão os barcos dos pequenos varejistas, aqui representados pelas farmácias e drogarias independentes. Este tema nos leva a uma pergunta: Existem varejistas de medicamentos à deriva no grande oceano do mercado?
Michael Porter, renomado professor da Harvard Business School, com interesse nas áreas de Administração e Economia, é autor dos mais importantes livros de gestão estratégica. Dentre suas principais contribuições para o mundo da estratégia empresarial estão os conceitos das Estratégias Genéricas de Porter. Segundo o autor, uma das decisões fundamentais que as empresa têm de tomar relaciona-se com a sua posição dentro do setor em que atua, existindo três posicionamentos prioritários. São eles:
1) Liderança por custo: a empresa que possui estratégia em custos deve minimizar gastos de distribuição do produto, tendo como principal atrativo o preço;
2) Diferenciação: a opção de estratégia por diferenciação faz com que a empresa tenha obrigação de investir na diferenciação dos seus serviços diante dos concorrentes;
3) Foco: a estratégia de foco de uma empresa resume-se em escolher segmentos ou nichos específicos.
Não é incomum encontrarmos empresas cujas unidades de negócio não ocupam nenhum dos posicionamentos estratégicos propostos pelo autor. Elas não são as melhores do setor onde atuam, não praticam os menores preços do mercado e não atendem a um público específico, ou seja, não possuem um norte que as guiem na grande travessia do mercado. Estas empresas utilizam o que, nas minhas palestras, eu denomino de Estratégia do Barco à Deriva.
Ao extrapolarmos as estratégias genéricas para o varejo farmacêutico conseguimos observar alguns padrões empresariais, como:
1) Varejistas que buscam constantemente a eficiência operacional e capacidade de praticar o menor preço, adotando claramente a estratégia de liderança por custo;
2) Varejistas que se posicionam como estabelecimento de saúde, tendo nos serviços farmacêuticos o diferencial competitivo que lhes confere o título de estratégia de diferenciação;
3) Empresas que investem em um nicho específico de clientes, adotando uma estratégia de foco, como as farmácias que se especializam em diabéticos.
Vamos utilizar os conceitos de Porter para responder a nossa pergunta inicial: Existem farmácias à deriva?
Infelizmente a resposta é sim. Durante muito tempo o varejo farmacêutico vem sendo campo próspero para os pequenos empreendedores da área, cujo principal diferencial competitivo sempre foi o relacionamento com uma clientela fidelizada, que via na farmácia do bairro o alento para suas dores, conferindo ao empreendimento uma clara pegada que o próprio Porter definiria como adoção de estratégia de diferenciação no negócio.
Este relacionamento fisiológico e saudável dos pequenos empreendimentos de varejo farmacêutico com seus clientes está ameaçado. O aumento da eficiência da cadeia de suprimentos das maiores redes de drogarias potencializou a expansão dessas megaempresas, que chegaram aos bairros mais periféricos dos grandes centros e às cidades do interior do País - mercados antes dominados por farmácias independentes. Essas redes são extremamente agressivas na política de precificação de seus produtos, conseguindo seduzir o bolso de muitos clientes, que antes se mostravam fiéis aos pequenos estabelecimentos.
Os pequenos empresários sentem-se encurralados e procuram maneiras de aumentar sua competitividade frente à investida dos gigantes do varejo farmacêutico. Surge a pergunta: Qual será a estratégia de contra-ataque do pequeno varejo? Diante desse cenário alguns tomam uma decisão pouco assertiva, a de entrar na competição pelo preço, comprando a briga do quem vende mais barato. O resultado é previsível, a pequena farmácia não conseguirá enfrentar a grande rede nesse campo de batalha. Ao investir nessa empreitada as tradicionais farmácias de bairro se afastam cada vez mais da sua vocação, que é a de servir de alento para as dores de seus usuários, de serem um local onde o cliente pode tratar das questões relacionadas à sua saúde e receber um serviço de atenção farmacêutica. Ao mesmo tempo que perdem o diferencial competitivo do atendimento os pequenos varejistas não conseguem praticar a política de preços imprimida pelas empresas de grande porte no setor. Eis que se inicia a caminhada rumo à implantação de uma estratégia equivocada.
Sou um entusiasta das farmácias individuais, sei que a sua gestão eficiente é fundamental para o sucesso do negócio, e dentro do pacote de gestão incluo os conceitos de gestão estratégica. Esses pequenos negócios, que desempenham papel social tão relevante, estão numa encruzilhada empresarial recorrente nos mercados mais acirrados, o do trade off preço X serviço, em que o pior caminho é o do meio. O muro é alto e ficar em cima dele pode ser muito perigoso. O escape estratégico é direcionar o posicionamento para o lado da diferenciação e se consolidar como estabelecimento de saúde. O pequeno varejo de medicamentos tem nos serviços prestados pelo profissional farmacêutico a única força capaz de impedir que as grandes redes assumam o seu lugar no mercado. As farmácias individuais serão indestrutíveis quando o principal produto de suas gôndolas for a atenção primária à saúde e seu principal ator for o farmacêutico, que, neste contexto, é o único profissional que possui o controle da vela que pode dar a direção correta para os pequenos barcos do varejo farmacêutico.
Leonardo Doro Pires é professor do ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, autor do livro Gestão Estratégica para Farmacêuticos e consultor em gestão e estratégia farmacêutica.