Muito antes da criação da Lei dos Genéricos, que instituiu em 1999 no Brasil as tradicionalmente conhecidas cópias dos medicamentos chamados de referência ou até mesmo éticos, a indústria farmacêutica brasileira já se alicerçava nas imitações dos medicamentos trazidos ao País pelas grandes indústrias multinacionais, em especial americanas e europeias.
Historicamente, desde o nascimento da primeira indústria nacional, no final do século XIX, mais precisamente em 1882, o mercado de medicamentos produzidos por indústrias brasileiras veio se consolidando com base nas cópias trazidas ao Brasil por players multinacionais. Esses medicamentos tiveram, ao longo dos anos, a sua produção internalizada em território nacional e por muito tempo dominaram o mercado de medicamentos no Brasil.
Entretanto, de 1882 para cá, muita coisa mudou. De pouquíssimas indústrias farmacêuticas genuinamente brasileiras, passamos a centenas delas, ademais, com o advento dos medicamentos genéricos, a partir de 1999, o mercado sofreu uma reviravolta considerável. Para se ter ideia, a participação de mercado das empresas nacionais em 2004 era de apenas 5%, não obstante, em menos de dez anos, esta participação relativamente insignificativa passou para consideráveis 55% em 2013, mostrando a força que a indústria brasileira obteve no mercado, muito por conta da venda de medicamentos genéricos.
Este domínio se deve em partes ao fato de que hoje praticamente todas as moléculas disponíveis no mercado já terem sua cópia genérica, o que dá opção ao consumidor para o tratamento de um amplo espectro de doenças. Adicionalmente, os genéricos possuem preço bastante inferior, sendo também seguros e eficazes. Ou seja, mitigando o fato de que os genéricos não eram produtos de qualidade, eles caíram nas graças dos brasileiros e nos últimos anos mostraram vendas constantemente crescentes.
Ocorre que após este boom dos medicamentos genéricos no mercado, como nada dura para sempre, já estamos observando certa saturação. Neste ambiente a concorrência é extremamente agressiva e com disputas de preços que muitas vezes pagam somente a produção do medicamento. Toda esta disputa, que ocorre entre dezenas de players, nos dá indícios de que nos próximos anos pode haver uma queda neste mercado, sobrevivendo apenas aquelas empresas cujo portfólio seja extenso e variado, ou seja, aquelas que dão mais opção às farmácias e aos consumidores, deixando as pequenas e de portfólio reduzido à míngua.
E enquanto toda essa briga de mercado ocorre de um lado, por outro podemos observar algo não muito comum quando se trata de indústria brasileira - seja ela de qualquer ramo -, que é o desenvolvimento de produtos inovadores, acompanhado inclusive da formação de consórcios entre grandes indústrias nacionais para o desenvolvimento de produtos biotecnológicos, visando ao fornecimento para o Governo, num nicho atualmente dominado pelas indústrias multinacionais. Não que as inovações tenham começado somente neste momento, pois algumas empresas já investem em pesquisa há muito tempo, mas agora se observa que este movimento vem ganhando força.
É certo que podemos contar nos dedos das mãos as indústrias brasileiras que, alguns anos atrás, resolveram ir à contramão dos genéricos e investir em inovação. Afinal, o empresário brasileiro não estava disposto a trocar o baixo investimento em pesquisa, aliado ao lucro rápido que os genéricos podiam dar, por anos - talvez décadas - de pesquisa, investimentos altíssimos e o lucro não assegurado da inovação, sem falar nas dificuldades de captação de mão de obra especializada, pois, apesar de o Brasil produzir cientistas brilhantes, tirá-los da realidade acadêmica e fazê-los brilhar dentro de uma indústria farmacêutica é um caminho árduo e demorado.
Ainda assim, as poucas indústrias que resolveram traçar este caminho, talvez se encontrem numa posição consideravelmente mais confortável que os fabricantes de genéricos, enfrentando uma concorrência não tão agressiva e ainda tendo um lucro tal que faça viável o investimento em mais pesquisa.
Logicamente ainda não podemos falar de uma concorrência de igual para igual com as multinacionais que investem em pesquisa há dezenas de anos, mas já se começa a observar a entrada, ainda que discreta, dos produtos desenvolvidos no Brasil até mesmo em outros países do mundo.
De qualquer forma, ainda há muito para acontecer e para se aprender nos próximos anos. Certamente observaremos mudanças interessantes no mercado de genéricos, que independentemente do que aconteça sempre terão extrema importância, até mesmo social, no nosso País, porém a inovação é igualmente importante para nos colocar em um diferente patamar frente aos países ditos desenvolvidos, e também para que possamos nos inserir neste mercado, que no Brasil é dominado por quem vem de fora.
Existe mercado para todos, contudo, fica a reflexão do que esperarmos da indústria farmacêutica brasileira nas próximas décadas e como o mercado se comportará frente a essas mudanças. Fato é que o cenário que vemos atualmente será bem diferente do que veremos nas próximas décadas.
Vítor Brandão Eça é farmacêutico e professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico.