Validação de limpeza é uma das formas mais eficazes de se evitar a contaminação do produto farmacêutico em seus diferentes estágios de fabricação. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ela é a evidência documentada de que os procedimentos de limpeza removem resíduos a níveis pré-determinados de aceitação, levando em consideração fatores como tamanho do lote, dose, toxicologia e equipamento a ser limpo. “A validação é aplicada nos pontos críticos do processo de fabricação”, afirma Luciana Colli, professora de Garantia da Qualidade do ICTQ e da FGV. “Ela aponta o método mais robusto de limpeza para determinado equipamento ou área”, completa.
A fabricação de produtos farmacêuticos envolve processos químicos e físicos extremamente complexos, realizados em várias etapas, podendo levar à produção de uma infinidade de subprodutos, inclusive tóxicos. Além disso, são utilizados nos processos de fabricação reagentes e solventes que devem ser eliminados do meio reacional. Várias dessas substâncias não devem ser detectadas no produto final, nem serem passíveis de permanecer em equipamentos ou utensílios, contaminando outros lotes que serão produzidos na sequência.
Por si só, a validação de limpeza em processos farmoquímicos é complexa, crescendo em dificuldade e esforços quando se muda de processos efetuados em equipamentos dedicados para os de multipropósito. “Validar é provar que o produto pode ser feito com segurança seja qual for o método de produção utilizado. O plano mestre de validação irá determinar como isso deve ser feito, em que condições e no prazo pré-determinado”, explica Azi Maurício Guerra Ceccopieri, gerente de sistemas da qualidade da Unicharm do Brasil.
Não existe uma abordagem única para realizar a validação de limpeza, segundo a Anvisa. O ponto comum a ser buscado é a definição de critérios, parâmetros e metodologias que sejam cientificamente justificáveis e demonstrem claramente que o procedimento de limpeza produz resultados de acordo com as especificações pré-estabelecidas de controle de contaminantes. É importante que a empresa mantenha uma política de validação de limpeza para todas as instalações de produção, definindo as responsabilidades e aprovações necessárias. Abaixo são destacadas 10 perguntas e respostas importantes sobre a validação de limpeza.
1. O que a política de validação de limpeza deve prever e quem assume a coordenação na empresa?
“A validação deverá ter um plano detalhado, com os itens do processo que são críticos e passíveis de análise”, afirma Luciana Colli. Na validação de limpeza há vários procedimentos a serem adotados. O primeiro deles, destaca a professora, é a proposição de formas de higienizar o equipamento ou o local. Já os ensaios laboratoriais de controle de qualidade vão apontar para a melhor forma de executar determinado procedimento, ou seja, é gerada evidência documental de que algo conduz aos resultados esperados. A equipe de validação deve ser multidisciplinar, porém o processo é gerenciado e conduzido pelo setor de Garantia da Qualidade, explica Luciana. “Em algumas empresas há um setor específico que cuida da validação, mas em geral são as equipes de qualidade que se encarregam do trabalho”, concorda Azi Maurício Guerra Ceccopieri.
2. Existem protocolos de validação específicos?
Há uma hierarquia de execução e documentação para definir itens específicos e atividades que constituirão o estudo de validação de limpeza. As empresas devem ter um Plano Mestre de Validação (PMV), indicando a estratégia de validação de limpeza, com etapas e pessoal envolvido definidos. “Um cronograma deve ser estabelecido para que as etapas possam ser vencidas, considerando as principais fases da produção, desde a recepção da matéria-prima até o produto final”, salienta Maurício Ceccopieri.
3. Na prática, o que é avaliado na validação de limpeza?
Um processo de validação deve controlar contaminantes físicos, químicos e microbiológicos, lembra a professora Luciana. “Os níveis de limpeza variam caso a caso. Depende diretamente dos equipamentos, que hoje estão cada vez mais desenvolvidos para facilitar o processo de limpeza, da formulação e do estado da arte de cada empresa e de sua equipe”, diz. Ceccopieri acrescenta que é preciso considerar também os produtos que são utilizados na limpeza, como detergentes, soluções químicas etc. “Esses produtos podem também deixar resíduos e isso precisa ser controlado”, diz o especialista.
Deve-se escolher como matriz para a validação de limpeza o ativo ou produto mais crítico. A avaliação do pior caso sugere que os procedimentos de limpeza são efetivos para todas as substâncias, incluindo aquelas que não foram individualmente testadas. Em termos de amostragem, deve-se também optar também por pontos mais críticos do equipamento, ou seja, de maior dificuldade de limpeza.
4. Como ocorre o processo de validação de limpeza?
O processo de fabricação é mapeado em um fluxograma, as etapas críticas são pontuadas, validadas e depois se tornam itens de controle. Cada equipamento ou área terá seu procedimento de validação. “Na prática, ao idealizar a linha de produção, o processo é mapeado, as etapas críticas são identificadas e em seguida validadas”, explica a professora do ICTQ. Outro momento que se deve validar é quando ocorrem mudanças no processo. Por exemplo, aumento do tamanho do lote, aquisição de equipamentos e máquinas. “A cada troca de lote também é recomendável efetuar a limpeza dos equipamentos, seja qual for o produto”, assinala Ceccopieri. Por fim, caso haja reprovações repetidas do produto final a validação deve ser repetida, lembra Luciana.
5. Quais os limites de resíduos aceitáveis?
O ponto de partida para determinação do limite de aceitação é a quantidade de resíduo resultante do processo de limpeza que poderá estar presente no próximo produto a ser fabricado no mesmo equipamento sem causar riscos. Os limites de resíduos devem ser lógicos (baseados no entendimento do processo), práticos, realizáveis e verificáveis, principalmente quando os resíduos são derivados de inativação. As empresas devem decidir quais resíduos quantificar, baseados num racional científico documentado.
Segundo a Anvisa, existem vários cálculos disponíveis para se chegar ao valor máximo de resíduo permitido na produção de medicamentos, baseados normalmente em doses diárias e dados toxicológicos. De acordo com o Pharmaceutical Inspection Convention (PIC), entidade europeia composta por autoridades reguladoras e da indústria farmacêutica, a quantidade de resíduo que pode ser transferida para o produto seguinte segue critérios rigorosos:
− Não mais que 0,1% da dose terapêutica normal de qualquer produto pode aparecer na dose diária máxima do produto a ser fabricado em seguida
− Não mais do que 10 ppm de qualquer produto pode aparecer no item a ser fabricado em seguida
− Nenhuma quantidade de resíduo deve ser visível no equipamento após os procedimentos de limpeza terem sido efetuados
6. A aplicação da validação de limpeza significa que o produto final e as linhas de montagem estejam totalmente livres de contaminantes?
O nível de limpeza necessário para assegurar que o fármaco esteja livre de contaminação varia de acordo com a criticidade da etapa produtiva e da próxima substância a ser fabricada no mesmo equipamento. A validação vai apontar o método mais robusto de limpeza para determinado equipamento ou área. Os limites são também ajustados de acordo com a via de administração do produto, como destaca Luciana. “Níveis tolerados para produtos farmacêuticos de uso parenteral são bem reduzidos se comparados aos de uso tópico”. O conceito de diferentes níveis de limpeza permite minimizar a complexidade da validação e o número de procedimentos necessários sem afetar a segurança do produto final. “Os níveis mínimos e máximos são especificados pela Farmacopeia Brasileira ou de outros países, como a norte-americana United States Pharmacopeia (USP). É importante salientar a preocupação geral com microrganismos, sujidades, produto anteriormente fabricado e resíduos da solução sanitizante”, completa a professora do ICTQ.
7. Quais os tipos de contaminação mais comuns?
Resíduos dos produtos anteriormente fabricados ou dos produtos utilizados no processo de limpeza são os itens mais comuns de serem encontrados. Entre os contaminantes que também podem estar presentes estão subprodutos ou produtos de degradação e materiais utilizados na fabricação, como reagentes, solventes e catalisadores. Além desses, microorganismos, agentes de limpeza, lubrificantes e sujidades provenientes do desgaste dos dispositivos móveis utilizados nos equipamentos (agitação, válvulas, selos de vedação etc.) também podem ser encontrados.
8. Quais os erros que mais acontecem nas linhas de produção e são pegos pela validação?
Os principais equívocos ocorrem nos métodos adotados ou na sua execução inadequada, observa a professora Luciana. Segundo ela, para entender como isso ocorre é importante destacar que a validação poderá ser retrospectiva, prospectiva ou concorrente. Na validação retrospectiva, são utilizados resultados obtidos de lotes anteriormente fabricados (entre 20 e 40 lotes), a prospectiva é empregada em produtos ou processos novos e a concorrente é aquela em que a empresa já possui lotes fabricados, mas não em número suficiente para executar uma validação retrospectiva. “É comum ocorrer eliminação do lote na validação concorrente, caso ocorram reprovações. Mas o controle do processo existe para minimizar essa ocorrência”, afirma Luciana. Maurício Ceccopieri pondera que os maiores problemas acontecem por conta de equipamentos obsoletos, com desgaste ou manutenção atrasada. “Certa vez em uma linha de produção uma máquina quebrou e acabou passando graxa para o produto, inutilizando boa parte do lote. Se a manutenção preventiva estivesse em dia é bem possível que esse defeito fosse detectado, evitando o prejuízo final”, destaca o especialista.
9. Como deve ser produzido o relatório de validação de limpeza? Em que circunstância esse documento é submetido a Anvisa? Com que periodicidade ele deve ser produzido?
A validação é amostral, entretanto o controle do processo é realizado em cada etapa crítica do processo. O relatório deve fornecer um fundamento técnico detalhado do estudo de validação de limpeza e avaliar todos os dados gerados em relação aos critérios de aceitação empregados no estudo, incluindo os desvios encontrados durante o processo de validação. Ele deve indicar ainda os requerimentos para revalidação − periodicidade, controle de mudanças etc.
Vale observar que o relatório de validação é parte da documentação de registro do medicamento, sendo assim, no momento da inspeção é rotineiramente solicitado. Quando um produto é lançado também é necessário que este documento esteja disponível, assim como ele é exigido pela Anvisa em caso de mudança de fábrica, de equipamentos e de processo ou ainda por conta de reclamações, registro de desvio ou recall.
De acordo com Maurício Ceccopieri, além dos casos mencionados, não há uma periodicidade determinada para a produção dos relatórios de validação de limpeza. “A RDC 17 determina que eles devam ser feitos, mas não especifica prazos. Fica a critério da empresa, de acordo com sua rotina da produção”, revela o especialista, destacando que, em geral, os relatórios são produzidos anualmente.
10. Quais são os pontos que mais geram dúvidas para os profissionais da indústria em relação à regulamentação das validações de limpeza?
“Primeiramente, o que mais gera dúvidas é a interpretação da norma sanitária e sua aplicação no processo de cada empresa”, afirma Luciana Colli. Em segundo lugar, o nível de detalhamento da documentação e a metodologia adotada. “Isso é muito subjetivo e pode comprometer a auditoria da Anvisa, caso na avaliação dos auditores a metodologia adotada não seja suficiente”, esclarece a professora. Sendo assim, os especialistas recomendam uma análise detalhada dos itens que abordam o tema nas regulamentações existentes antes de definir as rotinas e procedimentos de validação de limpeza.