Indústria farmacêutica aposta no primeiro tratamento à base de cannabis que pode substituir opioides

Não há nada de chamativo no próximo grande avanço da cannabis. A Vertanical, empresa farmacêutica com sede em Munique, está desenvolvendo um extrato à base de canabinoides para tratar dor crônica. A empresa tem a expectativa de que, em breve, o medicamento seja aprovado, tornando-se o primeiro do gênero na União Europeia (UE) e, eventualmente, nos Estados Unidos. Uma vez liberado, ele não deve ser encontrado em dispensários de cannabis, já que sua dose é baixa o suficiente para evitar que a maioria dos pacientes sinta efeitos psicoativos, segundo a empresa. Ao mesmo tempo, a medicação chamada de Ver-01 tem níveis suficientes de canabinoides (incluindo THC) para aliviar a dor.

Clemens Fischer, médico de 50 anos e fundador da Vertanical, espera que ele se torne o primeiro analgésico à base de cannabis prescrito por médicos e coberto por planos de saúde.

“Normalmente, acabo com as coisas chatas que ninguém quer fazer”, diz Fischer, que deixou a prática médica há décadas para fazer um MBA em Harvard. Empreendedor em série na área farmacêutica e de suplementos, ele administra um mini-império por meio do Futrue Group, uma holding de Munique que reúne cerca de 20 empresas de medicamentos e pesquisa e desenvolvimento.

Nascido em Weilheim, na Alemanha, Fischer construiu e vendeu uma série de empresas no setor de medicamentos sem receita e suplementos ao longo dos últimos vinte anos, desde produtos para dormir até tratamentos para síndrome do intestino irritável, acumulando uma fortuna de US$ 1 bilhão (R$ 5,32 bilhões).

Embora o Ver-01 seja à base de cannabis, Fischer não tem interesse em vender maconha, que ele considera um objeto “brilhante” a ser evitado. A indústria americana de cannabis, que movimentou US$ 32 bilhões (R$ 170 bilhões) em 2024 e opera em 40 estados, enfrenta desafios financeiros e bancários, porque a planta ainda é ilegal a nível federal. O setor aguarda, com certa impaciência, que o presidente americano, Donald Trump, anuncie sua decisão sobre a reclassificação da maconha, que atualmente está na mesma categoria de drogas da heroína e do LSD, para uma categoria menos restritiva.

Para Fischer, nada disso importa. Ele prefere o caminho monótono, árduo e caro de conseguir a aprovação de um novo medicamento pela Agência Europeia de Medicamentos e, eventualmente, pela Food and Drug Administration (FDA, na sigla em inglês), dos EUA; ambas equivalentes à Anvisa, no Brasil.

Até agora, o empresário investiu mais de US$ 250 milhões (R$ 1,33 bilhão) de seu próprio dinheiro na Vertanical, fundada em 2017 com sua sócia Madlena Hohlefelder. Com um local de cultivo de cannabis e uma fábrica farmacêutica na Dinamarca, a empresa já concluiu a Fase III, última etapa dos testes clínicos, na Alemanha, e aguarda aprovação para comercialização. Os dados até agora são promissores: o Ver-01 se mostrou mais eficaz que analgésicos opioides, com menos efeitos colaterais e sem sinais de dependência.

A Vertanical espera uma decisão das autoridades alemãs e austríacas ainda este ano ou no início do próximo, o que permitiria iniciar a venda do medicamento. Em seguida, a empresa solicitará autorização mais ampla em toda a UE. A farmacêutica planeja lançar os testes da Fase III nos EUA em 2026.

“Acreditamos que seremos o primeiro tratamento não opioide para dor crônica no mundo”, afirma Fischer.

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Nova tendência

Com 125 milhões de prescrições de opioides nos EUA em 2023, um mercado estimado em US$ 20 bilhões (R$ 106 bilhões) por ano, há grande oportunidade para alternativas, já que a busca por analgésicos alternativos está em alta. Depois que medicamentos como o OxyContin impulsionaram a epidemia de opioides nos EUA, profissionais de saúde buscam alternativas eficazes, sem riscos de vício ou overdose. O Journavx, medicamento não opioide que reduz os sinais de dor enviados ao cérebro, foi aprovado pela FDA para dor aguda em janeiro de 2025. A fabricante Vertex registrou US$ 13 milhões (R$ 69 milhões) em vendas nos seis primeiros meses no mercado.

Só nos Estados Unidos, mais de 80 mil pessoas morreram por overdose de opioides no ano passado. Recentemente, a FDA anunciou um plano para acelerar a aprovação de medicamentos não opioides para dor crônica.

Fischer espera que a Vertanical consiga lançar seu medicamento à base de cannabis, substituir parte das vendas de opioides e lucrar com o setor multibilionário de dor crônica. “Se você tem um medicamento que mostra ser mais eficaz e com menos efeitos colaterais, pode conquistar uma participação significativa desse mercado, mas não quero fazer projeções”, diz Fischer.

O médico Jonathann Kuo, especialista em manejo da dor em Nova York, afirma que compostos à base de cannabis são promissores como alternativa aos opioides, mas nunca os substituirão totalmente. “O santo Graal é ter uma substância que alivie a dor sem criar dependência física”, diz Kuo, que não está envolvido com a Vertanical ou seus estudos clínicos. “Não é um sonho impossível, a cannabis pode avançar nessa direção.”

Processo complexo

A Vertanical não está sozinha na missão de transformar a maconha em um medicamento aprovado pela FDA. A Stanley Brothers, conhecida por popularizar o canabidiol (CBD) com a empresa Charlotte’s Web há uma década, está desenvolvendo um medicamento derivado do cânhamo para tratar sintomas associados ao autismo. A tintura botânica de CBD e THC, extraída de uma variedade patenteada de plantas da Charlotte’s Web, passou pela Fase I de testes da FDA e foi liberada para a Fase II neste ano. Normalmente, apenas 33% dos medicamentos avançam para a Fase III.

Assim como o medicamento da Stanley Brothers, o Ver-01 segue o caminho de aprovação de medicamentos botânicos da FDA, ou seja, é totalmente derivado da planta e não uma molécula sintética única, como a maioria dos fármacos disponíveis. Se a Vertanical obtiver autorização para iniciar a Fase III nos EUA, entrará na etapa mais desafiadora do processo, monitorando efeitos adversos e eficácia em uma população maior. Mais de 70% dos candidatos falham na Fase III.

Medicamentos botânicos podem ser mais difíceis de aprovar do que medicamentos de molécula única devido à grande quantidade de compostos ativos nas plantas. O Ver-01, por exemplo, contém mais de cem compostos. Para se ter ideia, no mercado americano, existem apenas quatro medicamentos botânicos aprovados pelo FDA, incluindo o sinecatechins, um creme tópico para verrugas genitais feito a partir de folhas de chá verde e comercializado como Veregen.

Levar um novo medicamento através dos testes clínicos e conseguir aprovação do FDA é uma tarefa hercúlea que exige muito dinheiro. Em média, custa US$ 880 milhões (R$ 4,68 bilhões) para aprovar um medicamento totalmente novo. Esse valor pode facilmente ultrapassar US$ 1 bilhão (R$ 5,32 bilhões) se houver problemas nos testes ou nos dados. O processo pode durar uma década — a Vertanical está nisso há sete anos — e as empresas enfrentam uma taxa de falha de 90%. Sebastian Hach, diretor comercial da Vertanical, afirma que a empresa já gastou cerca de US$ 130 milhões (R$ 692 milhões) em testes clínicos na UE e centenas de milhões de dólares no desenvolvimento do medicamento.

Não é, no entanto, impossível transformar os compostos ativos da maconha em medicamento. Em 1985, a FDA aprovou o Marinol, uma forma sintética de THC chamada dronabinol, para pacientes com câncer e AIDS. As vendas do Marinol são estimadas em US$ 250 milhões (R$ 1,33 bilhão) por ano.

O atual sucesso da cannabis é o Epidiolex, uma tintura de CBD aprovada pela autoridade dos EUA para crianças e adultos com síndrome de Lennox-Gastaut, síndrome de Dravet e outros tipos raros de epilepsia. Com uma população de cerca de 100 mil pessoas no mundo, o Epidiolex, da irlandesa Jazz Pharmaceuticals, alcançou US$ 970 milhões (R$ 5,16 bilhões) em vendas no ano passado e deve ultrapassar US$ 1 bilhão (R$ 5,32 bilhões) este ano. Hach afirma que, se aprovado, o Ver-01 atingirá status de blockbuster. “Nos primeiros dois anos no mercado, esperamos faturar mais de US$ 2 bilhões (R$ 10,64 bilhões)”, diz. “É uma oportunidade de mercado incrível.”

Há também muitas falhas pelo caminho, que servem como alerta para empreendedores como Fischer. A Jazz, por exemplo, também possui um spray bucal contendo THC e CBD, chamado nabiximols, conhecido como Sativex. Ele foi aprovado no Canadá em 2005 para aliviar espasticidade muscular em pacientes com esclerose múltipla e desde então recebeu aprovação em mais de 20 países, mas não conseguiu aprovação da FDA. Em 2022, o nabiximols falhou na Fase III, após gastar quase US$ 20 milhões (R$ 106 milhões) em cinco anos.

Clemens Fischer

Após deixar a medicina em 2001, Fischer trabalhou na Novartis. Alguns anos depois, fundou várias empresas focadas em probióticos, suplementos e medicamentos sem receita. Em 2016, vendeu a Naturwohl Pharma, de Munique, conhecida pelo suplemento alimentar Yokebe, para a francesa Perrigo por US$ 150 milhões (R$ 798 milhões).

A maior empresa de seu portfólio atualmente é a SYNFormulas, que vende o probiótico Kijimea, para tratar a síndrome do intestino irritável. Estima-se que a SYNFormulas tenha faturado US$ 100 milhões (R$ 532 milhões) em 2024, com margem de lucro de 30%. No mês passado, a Fischer tornou privada a PharmaSGP, outra empresa que vende remédios de comercialização livre, em um negócio de US$ 446 milhões (R$ 2,37 bilhões).

Em 2017, ao ler notícias sobre a indústria de cannabis em crescimento nos EUA, Fischer percebeu algo interessante: pacientes de maconha medicinal usavam produtos da planta para tratar dor crônica. Ele viajou para Califórnia e Nevada, se reuniu com mais de uma dúzia de empresas, pesquisou os melhores métodos de cultivo e buscou variedades eficazes no manejo da dor.

De volta à Europa, Fischer adquiriu 500 sementes de maconha, transformou uma estufa na Dinamarca, originalmente feita para rosas, em uma plantação de 20.000 m² e começou a fazer “phenohunting”, técnica usada para selecionar a cultiva ideal para um propósito específico, seja recreativo ou medicinal. Fischer escolheu a variedade DKJ-127, rica em THC, CBD e outro canabinoide chamado CGN, conhecido por ajudar no sono. Fischer obteve patentes nos EUA e no mundo para essa variedade e seu uso no tratamento da dor crônica, acreditando que a Vertanical será seu empreendimento mais bem-sucedido.

Salvação?

Sarah Gaus, alemã de 39 anos com dor crônica na lombar após hérnia em dois discos, participou de um dos testes clínicos da Vertanical em 2023. Ela tomou Ver-01 por 12 meses e afirma que funcionou melhor que os opioides que havia usado antes. Houve apenas um efeito negativo: na primeira semana, após tomar a tintura pela manhã, ela não conseguiu trabalhar por cerca de uma hora enquanto o remédio fazia efeito.

“Experimentei uma espécie de efeito psicoativo; fiquei muito cansada, com concentração prejudicada e visão mais estreita”, diz Gaus. Ela considera que o Ver-01 não foi um “salvador”, mas foi eficaz. Não apresentou sintomas de abstinência ao interromper o uso.

Embora Fischer esteja convicto do sucesso do medicamento, ele não é usuário de maconha e considera prejudicial fumar a planta. “Sou controlador”, afirma. “Não consigo lidar com o efeito. Tenho muito medo de que algo aconteça.”

Ainda assim, Fischer garante que, se o medicamento for aprovado, os pacientes não precisam ter medo do Ver-01, diferente dos opioides. “Com nosso medicamento, mesmo se você ingerir a garrafa inteira, não vai morrer por efeitos colaterais”, diz, “mas pode se sentir desmaiado.”

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