A indústria farmacêutica brasileira amplia investimentos para aproveitar uma janela de oportunidade nos próximos cinco anos para expandir a produção de genéricos e similares. Até 2030, vão prescrever cerca de 1,5 mil patentes de princípios ativos e processos industriais relativos a 1 mil medicamentos, permitindo a produção de versões ao menos 35% mais baratas.
O potencial para a indústria é enorme: aumentar em 20% o total de genéricos comercializados no país. Hoje são 4,6 mil. Os dados são da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina). As patentes mapeadas pertencem a 400 farmacêuticas, a maioria americanas e europeias, como Astrazeneca, Novartis, Takeda, Janssen e Pfizer.
As empresas que atuam no Brasil e o governo mapeiam substâncias estratégicas que devem entrar em domínio publico para direcionar investimentos em pesquisa, fábricas e cadeias logísticas para produzir os genéricos assim que cair a proteção dos direitos dos medicamentos de referência.
O aumento da busca por crédito no BNDES e na Finep, tradicionais financiadores do setor, dá uma ideia dessa corrida. Entre 2023 e junho deste ano, o banco emprestou R$ 7,8 bilhões para a indústria de saúde, a maior parte para farmacêuticas, alta de 72% em relação aos quatro anos anteriores.
Se somados os recursos da Finep, focada em pesquisa e inovação, o montante chega a R$ 11,8 bilhões concedidos no âmbito do Nova Indústria Brasil (NIB), política industrial do governo que tem o setor de fármacos entre os prioritários.
José Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, espera o mesmo patamar nos próximos anos:
— Boa parte disso é para o desenvolvimento de novos medicamentos, inovação, tecnologias e o que chamamos de plantas pioneiras, que não temos no Brasil, como as de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA). A demanda é constante.
Receba nossas notícias por e-mail: Cadastre aqui seu endereço eletrônico para receber nossas matérias diariamente
Presidente executivo da Abifina, Andrey Vilas Boas de Freitas diz que o levantamento de patentes a vencer pode guiar o governo e as indústrias na avaliação do potencial de produção local, viabilidade econômica, exigências regulatórias e riscos de novos genéricos, aliviando o bolso do consumidor e o orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS), que gasta R$ 20 bilhões por ano com medicamentos.
Algumas das drogas que poderão ter cópias são para o tratamento de câncer, de alto custo. E o alinhamento com as prioridades da saúde pública pode reduzir a dependência de remédios e IFAs importados.
— Há remédios de centenas de milhares de reais para o tratamento anual de um único indivíduo, totalmente importados. Se trabalharmos nos próximos anos absorvendo tecnologias e produzindo genéricos, será bom não só para a concorrência, mas para garantia de acesso e redução de judicialização contra o SUS e planos de saúde — afirma Freitas.
Mercado bilionário
No Brasil, as patentes protegem os direitos econômicos de quem criou um medicamento por 20 anos, a partir do pedido ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Quando o prazo termina, outras empresas podem copiar substâncias já desenvolvidas e testadas. Com maior oferta e competição, o preço cai.
Pela lei, genéricos devem ser no mínimo 35% mais baratos que os de referência. No ano passado, esse mercado faturou R$ 20,4 bilhões, 13,5% a mais que em 2023, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (PróGenéricos), com dados da consultoria IQVIA.
Dos 20 medicamentos mais prescritos no Brasil, 15 são genéricos, e 85% dos itens do programa Farmácia Popular são da categoria.
Governo espera economia bilionária
Em nota, o Ministério da Saúde informou que já identificou entre as patentes que vão expirar moléculas como o eculizumabe, usado no tratamento da Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), doença rara das células sanguíneas. Só esse remédio custa ao SUS R$ 1 bilhão ao ano.
A substância foi contemplada em recente parceria de Bahiafarma e Bionovis, anunciada pelo governo. A pasta espera uma economia entre 30% e 40% na compra de medicamentos “a partir de parcerias em curso”.
O setor farmacêutico espera crescimento anual na casa dos 10% nos próximos anos, o que inclui o ganho de escala nos genéricos, diz Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do FarmaBrasil, que reúne fabricantes como Aché, Eurofarma, EMS, Libbs e Hypera.
Esforço antecipado
Para que um genérico chegue à farmácia assim que a patente expira, os investimentos começam anos antes, com pesquisadores das farmacêuticas estudando as moléculas e fazendo testes para licenciar a produção na Anvisa.
No Aché, um genérico avaliado como viável começa a ser pesquisado até três anos antes do domínio público, diz o diretor-presidente, José Vicente Marino.
Para surfar essa nova onda dos genéricos, o Aché começou a expansão da fábrica em Cabo de Santo Agostinho (PE), da unidade de antibióticos de Anápolis (GO) e da principal base, em Guarulhos (SP), onde expande laboratórios de alta potência para medicamentos oncológicos e antibióticos. São R$ 500 milhões previstos até 2027.
— Dedicamos cerca de 6% da receita líquida (R$ 70 milhões no 1º trimestre) a projetos de inovação. Atualmente, são 250 iniciativas. Em 2025, lançaremos 54 produtos, um recorde, incluindo produtos próprios, importados, similares e genéricos — diz Marino.
Na Cimed, o foco são remédios voltados para diabetes, doenças cardíacas e males do sistema nervoso, como ansiedade e depressão. A empresa investiu R$ 200 milhões só neste ano na divisão de genéricos. O plano é levar cinco novos ao mercado por ano, diz Fausto Lourenção, diretor de Medicamentos da empresa:
— A ampliação de centros de distribuição é prioridade, considerando o ganho de escala recente e o que se aproxima.
Peter Lay, diretor de Novos Negócios do Teuto, conta que o laboratório tem 80 produtos à espera de liberação da Anvisa. Por ano, são 30 novos pedidos. Sem detalhar valores, ele prevê investimentos em remédios para males cardiovasculares e nas canetas à base de semaglutida.
Na Medley, são R$ 30 milhões por ano em estudos com foco em remédios para sistema nervoso, cardiologia, gastroenterologia e dor. A empresa aplicou R$ 120 milhões em aumento de capacidade produtiva em três anos.
Fabricante tenta estender patente do Ozempic
Com o sucesso das canetas à base de semaglutida — voltadas para o tratamento de diabetes tipo 2, mas campeãs de vendas por seus efeitos emagrecedores —, farmacêuticas brasileiras acompanham com expectativa a previsão de que o princípio ativo também entre em domínio público, abrindo caminho para genéricos e similares.
A patente, da Novo Nordisk, sob os selos Ozempic e Wegovy, cai em 20 de março de 2026, mas o laboratório dinamarquês aguarda o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir sobre seu pedido de extensão da proteção no Brasil.
A farmacêutica se queixa de que o INPI levou 13 anos para analisar a patente, o que permitiu o uso pleno do registro por apenas sete dos 20 anos previstos. O pedido foi negado em primeira e segunda instâncias. Em 2023, o STJ manteve o entendimento mas, em abril deste ano, um novo recurso foi feito e aguarda julgamento.
Decisão deve ir ao STF
Sócio do escritório Pinheiro Neto, José Mauro Machado explica que, pela Lei de Propriedade Industrial, a patente começa a valer a partir da apresentação do pedido ao INPI, mas um artigo da legislação previa possível extensão se houver demora na concessão para que o direito vigore por no mínimo dez anos após o deferimento.
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o artigo é inconstitucional. Para outros setores, o entendimento passou a valer a partir dali. Já para as farmacêuticas, a decisão foi retroativa e definida pelo interesse público dos medicamentos.
A Novo Nordisk argumenta que não seria justo ter um direito adquirido afetado por decisão posterior. A tendência, avalia Machado, é que a discussão volte ao STF, o que poderia gerar uma tese pioneira:
— A empresa insiste que em países como os EUA há mecanismos de ajuste na validade da patente quando há atraso na concessão. No Brasil, isso não existe, embora já tenha sido discutido. É uma tese interessante, pois envolve o argumento da insegurança jurídica, já que os investimentos foram feitos contando com previsão de extensão da validade.
A demora na análise de pedidos é um problema crônico do INPI e preocupa o setor farmacêutico, que articula no Congresso a aprovação de autonomia financeira ao órgão. O projeto está em análise no Senado. Para Reginaldo Arcuri, do FarmaBrasil, isso melhoraria a chance de o INPI alcançar a meta do Nova Indústria Brasil (NIB) de baixar de 4,4 para dois anos o tempo médio de análise de patentes farmacêuticas.
Participe também: Grupos de WhatsApp e Telegram para receber notícias