A farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk aguarda o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir se vai analisar um recurso para estender a patente da semaglutida, princípio ativo do Ozempic, no Brasil. A proteção expira em 20 de março do ano que vem, quando outras fabricantes poderão vender remédios similares e genéricos a custos menores.
Por queixas em relação ao tempo que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) levou para analisar a patente, 13 anos, o laboratório entrou na Justiça pedindo a extensão ainda em dezembro de 2021. O pedido, porém, foi negado em primeira e segunda instância.
Em julho de 2023, a Novo Nordisk recorreu ao STJ, porém a Corte não aceitou o recurso para julgamento. Em janeiro deste ano, em mais uma tentativa, o laboratório entrou com um Agravo em Recurso Especial, pedindo que o STJ analise o tema. O processo foi autuado em abril e distribuído à ministra Maria Isabel Gallotti, mas ainda não foi julgado.
Desde então, a empresa “vem se manifestando nos autos do processo, de forma regular, em observância às regras processuais brasileiras”, diz o laboratório. O que está em análise, no momento, é se o STJ aceitará ou não julgar o recurso. Mesmo que aceite, a patente só será prorrogada se, mais adiante, os ministros votarem a favor da empresa.
Segundo a legislação brasileira, medicamentos inovadores podem ser protegidos por patente por um período máximo de 20 anos. O prazo garante à farmacêutica que arcou com os custos de desenvolvimento daquele remédio o direito de comercializá-la de forma exclusiva por um tempo. Depois, outros fabricantes podem produzir e submeter à aprovação da Anvisa versões similares ou genéricas.
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Os genéricos, que são vendidos apenas com o nome da substância, são obrigatoriamente ao menos 35% mais baratos. Um estudo de pesquisadores da Universidade de Brasília e da Universidade Federal de Santa Catarina, porém, constatou que eles costumam ter preços 59% inferiores aos remédios de referência. No caso dos similares, 15%.
Em relação ao Ozempic, a Novo Nordisk questiona o tempo que o Inpi levou para analisar e autorizar a patente, 13 anos, alegando que, com isso, conseguiu usufruir plenamente do registro por apenas 35% do prazo: 7 anos.
Fernando Aith, diretor do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da Faculdade Saúde Pública da USP (Cepedisa), explica que o artigo 38 da Lei de Propriedade Industrial diz que o registro passa a valer oficialmente apenas a partir da liberação do Inpi, porém o artigo 40, que fala do prazo de validade, estabelece que os 20 anos começam a contar já a partir da data de depósito do pedido:
— Quando o pedido é feito, isso já torna a patente protegida contra terceiros, embora ainda não seja uma patente válida. A questão é que o INPI demorou anos para conceder o registro e, nesse período, embora a patente estivesse de certa forma protegida, a empresa não pôde usufruir plenamente porque o pedido estava em análise — afirma.
No entanto, ele conta que a Justiça brasileira tem sido clara em respeitar o prazo de 20 anos, independentemente do tempo que o Inpi leva para analisar a patente. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou o tema e declarou inconstitucional um parágrafo que levava à prorrogação automática em casos de demora por parte do Inpi – argumento usado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) para negar a extensão à Novo Nordisk em segunda instância.
— Essa é uma discussão judicial antiga, uma estratégia que chamamos de evergreening, para manter a patente sempre válida. 13 anos é de fato muito tempo para avaliar um pedido, mas a depender da complexidade, principalmente para medicamentos, é normal no Brasil. E, de certa forma, a patente já tem uma certa proteção a partir do depósito do pedido. É o que a Justiça brasileira tem decidido e há uma certa harmonização de jurisprudência nesse sentido — avalia Aith.
A farmacêutica argumenta não querer ir contra o entendimento do STF, já que pede “um ajuste pontual, não automático”. “O que empresas inovadoras, como a Novo Nordisk, defendem é que o Brasil disponha de mecanismos sólidos de segurança jurídica, que permitam aos titulares de patentes usufruírem do seu direito de exploração exclusiva em sua eficácia plena, por prazo razoável”, afirma.
O laboratório cita ainda que outros países, como Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Peru e República Dominicana, adotaram mecanismos de compensação de prazo de patentes. “Um sistema de propriedade industrial moderno e seguro é pilar fundamental para a inovação, especialmente na indústria de saúde e farmacêutica. (...) Não se pode ignorar também que a própria existência de medicamentos genéricos e biossimilares depende da inovação farmacêutica original”, diz.
Caso o STJ decida julgar o tema e seja contrário à prorrogação da licença, Aith, da USP, explica que, em tese, a farmacêutica ainda poderia buscar o STF, embora dificilmente consiga impedir a queda da patente em 2026:
— Eles poderiam entrar com um recurso extraordinário alegando a violação a algum dispositivo constitucional, como por exemplo, de livre iniciativa ou o do direito à proteção da propriedade. Mas, em regra, esse recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, então, cairia a patente do mesmo jeito. A não ser que consigam uma medida cautelar para preservar a patente enquanto o caso é discutido no STF.
Paralelamente, a expectativa com a queda da patente, e a entrada de genéricos e similares do Ozempic no mercado, é alta, conta Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo Farma Brasil, que representa a indústria farmacêutica do país:
— Diversas empresas brasileiras já estão se preparando para ingressar nesse mercado, investindo em infraestrutura produtiva e tecnológica para viabilizar a produção local desses medicamentos. Vejo (os esforços da Novo Nordisk) como uma tentativa destinada ao fracasso, porque já temos inúmeras vitórias nas ações movidas na Justiça reafirmando a prevalência da decisão do STF.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o prefeito Eduardo Paes (PSD) criou um grupo de trabalho para implementar a semaglutida no Sistema Único de Saúde (SUS) e conta com o fim da exclusividade da empresa dinamarquesa, e a consequente redução dos preços, para isso.
O presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Fabio Trujilho, conta que os médicos também veem a chegada de novos concorrentes nas farmácias como algo positivo:
— Vemos com bons olhos porque a semaglutida é uma droga eficaz, segura e que tem comprovação científica para diminuição de complicações relacionadas à obesidade e ao diabetes tipo 2, inclusive alguns estudos mostram diminuição de eventos cardiovasculares graves, tanto em pessoas que convivem com diabetes como em que convivem com sobrepeso e obesidade.
Para Neuton Dornelas, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), há uma perspectiva de maior acessibilidade para os pacientes pela queda dos custos que pode ocorrer com genéricos e similares:
— A SBEM defende sempre o acesso às boas medicações para a população que delas possam necessitar. E o acesso se dá, também, por preços mais acessíveis. Desta forma, ter mais fabricantes que garantam qualidade dos medicamentos é positivo no quesito competitividade e no cumprimento de regras do mercado que ofereçam menores preços.
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