O Instituto Butantan, na zona oeste de São Paulo, será transformado em um complexo industrial para resposta rápida a novos vírus e bactérias. O objetivo é potencializar a produção de vacinas e medicamentos, principalmente no caso de novas ameaças, a exemplo do que ocorreu com a pandemia da Covid.
Em entrevista exclusiva à Folha, o diretor do Instituto Butantan, Esper Kallás, falou sobre os projetos. O objetivo a médio e longo prazos é estabelecer autossuficiência em produção no Brasil.
O Instituto Butantan passará por ampliações e ganhará novos prédios. Uma das novas edificações abrigará a produção integral das vacinas tríplice bacteriana (também conhecida como DTP), contra difteria, tétano e coqueluche. O imunizante que protege do vírus HPV (papilomavírus humano) —associado a alguns tipos de câncer, como o de colo do útero— também terá espaço.
"Uma parte da produção já é feita aqui. Com essas novas estruturas vamos fazer a produção integral. São duas parcerias PDP [parceria para o desenvolvimento produtivo], que têm a chancela do Ministério da Saúde e o comprometimento de uma empresa parceira para a incorporação da tecnologia 100% nacional", diz Kallás.
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A farmacêutica multinacional britânica GSK (GlaxoSmithKline) é a parceira do Instituto Butantan para a vacina tríplice bacteriana. No caso da HPV 4 (quadrivalente), disponível no PNI (Programa Nacional de Imunização), é a americana Merck Sharp & Dohme —segundo Kallás, neste momento, o complexo e a farmacêutica discutem o aumento da proteção, ou seja, a ampliação para a vacina HPV 9-valente.
"Da vacina de HPV, para citar um exemplo, já recebemos o IFA, que é o ingrediente farmacêutico ativo, e nós estamos agora no processo de integrar dentro do instituto toda a parte de formulação, envase e rotulagem. Então, toda essa outra metade do desenvolvimento está praticamente incorporada. E agora, com a nova fábrica, teremos a produção integral e a capacidade de fazer a vacina 100% nacional."
O uso do CAR (Centro de Armazenamento Refrigerado) está em ampliação progressiva. O local permite armazenar insumos e imunobiológicos produzidos pelo instituto. No total, são 14 câmaras frias com range de temperatura entre 2ºC e 8ºC e uma de -15ºC a -20ºC.
Em breve, estará 100% em operação, dentro do instituto, a fábrica de processamento do plasma equino para a produção dos soros antivenenos, antivírus e antitoxinas bacterianas. A nova planta está em fase de construção do layout interno, mas a antiga está em pleno funcionamento e atende a demanda atual do Ministério da Saúde. Os cavalos são criados e utilizados para a produção de plasma na Fazenda São Joaquim, no interior paulista, que pertence ao instituto.
Em janeiro deste ano, começaram algumas atividades produtivas no CPMV (Centro de Produção Multipropósito de Vacinas). A previsão de funcionamento total está para o segundo semestre de 2025. "É uma fábrica que utiliza linhagens de células para a produção. Lá nós teremos, já está no início do processo de produção, parte das vacinas da dengue, da raiva e da hepatite A", conta Kallás.
O centro, que é automatizado, ocupa uma área de 11 mil m² no parque fabril. O local será responsável pela produção de 100 milhões de doses de vacinas por ano. A ideia de construir uma fábrica que pudesse ser adaptada para a produção de diferentes imunizantes em um curto espaço de tempo foi acelerada pela pandemia.
A vacina contra o vírus influenza também terá reforço de um novo prédio. O início da construção deverá ocorrer ainda em 2025. No local, serão produzidos os bancos de vírus para as campanhas de vacinação seguintes.
Novas vacinas: dengue, VSR e gripe aviária
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ainda não deu parecer final sobre a Butantan-DV, mas a vacina continua em produção no instituto. A estratégia, que tem a chancela do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do secretário estadual da Saúde, Eleuses Paiva, é ter uma quantidade de doses disponíveis no momento da aprovação pelo órgão regulador.
"Estamos assumindo esse risco porque tudo o que foi produzido até agora, inclusive os dados de eficácia e segurança da vacina, foram baseados nesses processos que já estão estabelecidos. É bom até para a população entender que a produção de imunobiológicos, vacinas, anticorpos, é um processo complexo, que envolve muitas etapas, controle de qualidade intenso, e de verificações também que são muito rigorosas", afirma Esper Kallás.
No início do ano, o Butantan também havia sido contemplado com a parceria da Pfizer para produção de até oito milhões de doses anuais da vacina contra o VSR (vírus sincicial respiratório), causador da bronquiolite em recém-nascidos. O processo pode levar anos para ser totalmente concretizado.
"Estamos aguardando as próximas reuniões com o ministério, mas já debatendo com a Pfizer a construção do plano de transferência de tecnologia. O Ministério manifestou que tem interesse na adoção da vacina o quanto antes, então alguma coisa a gente espera acontecer até o fim do ano."
O Instituto Butantan aguarda aval da Anvisa para iniciar os estudos clínicos para o desenvolvimento da vacina contra a gripe aviária —influenza tipo A H5N8 (fragmentada, inativada e adjuvada). O pedido à agência foi enviado em agosto de 2024.
A partir do PDIL (Programa de Desenvolvimento e Inovação Local) entre o instituto e o governo federal, será garantido um lote estratégico para uma eventual emergência sanitária provocada pela gripe aviária —ainda a ser produzido.
Outro processo em desenvolvimento é a fábrica de vacinas de mRNA. O projeto foi financiado pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal. "Estamos na fase burocrática de destravar o recurso", diz Kallás.
Também fazem parte dos planos para o instituto um prédio para centralizar, otimizar e melhorar as áreas para controle de qualidade e uma nova fábrica para a produção de anticorpos monoclonais.
Furp será incorporada ao Butantan
O instituto deve incorporar a gestão da Furp (Fundação para o Remédio Popular), o laboratório farmacêutico oficial do governo paulista, vinculado à Secretaria da Saúde. Para a proposta se concretizar, a Assembleia Legislativa deverá aprovar um projeto de lei.
"Estamos pleiteando sub-rogar os funcionários da Furp para o instituto e integrar dentro da nossa estrutura. É claro que você vai ter que ter uma atenção diferenciada para a Furp porque a finalidade é diferente. Produção de medicamentos e sólidos é uma coisa que não fazemos no Butantan. A Furp faz. E a intenção é a gente aportar as condições para a Furp voltar a aumentar a produção, o portfólio de produtos e atender as demandas da Secretaria da Saúde e do Ministério da Saúde", explica o diretor.
Já há algumas propostas de PDP para o desenvolvimento de medicamentos, segundo Kallás. O Ministério da Saúde ainda vai decidir quais produtos terão a sua chancela.
Para Kallás, as novidades implantadas proporcionarão melhorias na saúde e na ciência do Brasil.
"Se existe uma estrutura incorporada no Brasil, você trabalha com tempo de entrega [de vacina] no plano estratégico da Secretaria da Saúde, do Ministério da Saúde, de uma forma muito mais flexível e adaptável à nossa necessidade. Numa situação de emergência, como vimos na pandemia de Covid, se você tem a produção no Brasil não ficamos sujeitos ao que ocorreu há cinco anos", afirma.
"O segundo ponto é o ganho econômico para o Brasil. O valor agregado de produtos em biotecnologia é muito alto. Então, a gente não só consegue trazer essa engrenagem econômica para dentro do país como também contrata funcionários brasileiros especializados, melhora a capacidade produtiva, aumenta a nossa massa crítica, melhora o valor agregado dos nossos produtos, fortalece a cadeia de suprimentos. Você vai, por exemplo, estimular produtores brasileiros a se qualificarem para a entrega de ingredientes para os produtos. E coloca o Brasil como candidato a fornecer vacinas para o mundo inteiro.
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