Estabilidade Farmacêutica : uma visão crítica de dados

O tema “estabilidade” tem um impacto crucial no desenvolvimento e comercialização de medicamentos, englobando várias fases do seu ciclo de vida. Desde a escolha racional do fármaco na fase de triagem de potenciais candidatos, seguindo mais adiante com o candidato nas etapas de préformulação e compatibilidade, formulação de lotes pilotos, lotes registro e no acompanhamento dos lotes comerciais (pós-registro). Durante todo este ciclo, a interpretação dos resultados vai depender diretamente da qualidade dos procedimentos elaborados adotados pela empresa, da confiabilidade nos padrões utilizados, da robustez dos métodos, equipamentos e da medição, como também muito importante: da capacitação da equipe.

A finalidade do teste de estabilidade é fornecer evidências sobre como a qualidade de um IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) ou de um produto farmacêutico vai variar com o tempo, sob a influência de uma variedade de fatores ambientais, tais como temperatura, umidade e luz.Estabelece-ce com isto, sobre condições definidass de armazenagem, um período de reteste para o IFA e para o medicamento um determinado prazo de validade/tempo de prateleira.

Um programa de teste para amostras de estabilidade exige uma quantidade enorme de recursos e competências, mas, no entanto, muitos analistas de estabilidade não estão cientes dos propósitos desses estudos e como esses estudos vão apoiar as atividades de tomada de decisão durante o processo de desenvolvimento dessasformas farmaceuticas.

Guias internacionais, como o caso do ICH (Internacional Conference on Harmonization) vêm servindo como base de referência para a revisão das regulamentações nacionais vigentes, as quais apontam cada vez mais para o mesmo fim, numa tendência de harmonização, convergência e amadurecimento dos setores regulado e regulador. Um exemplo disto foi a recém-encerrada Consulta Publica No11 (23/01/12), que pôs em discussão o estabelecimento dos parâmetros para notificação, identificação e qualificação de produtos de degradação em medicamentos com principios ativos sinteticos e semi-sintéticos. Também se encontra em revisão o “Guia para Realização dos Estudos de Estabilidade”, da vigente resolução RE No 01 (29/07/05).

Além dos parâmetros de temperatura e umidade, que são fixados para o estudo de estabilidade, vários outros fatores de risco podem ter um impacto sobre a estabilidade de um IFA ou de um medicamento, como: fatores internos, fatores relativos à fabricação, fatores externos e os danos físicos durante o transporte e armazenamento. Todos esses riscos devem ser minimamente avaliados e reduzidos.

É fundamental, no entanto, que a avaliação de resultados seja feita de forma integrada, combinando evidências e indicações. A consciência critica deve ser vista como regra e para isto, procedimentos específicos devem ser elaborados e todos os colaboradores devidamente treinados. Como gerenciar resultados fora de especificação (OOS)? Como gerenciar desvios e aplicar o sistema CAPA (Ações Corretivas e Preventivas). Quais são os resultados considerados fora de tendência (OOT)? Qual a incerteza analítica de medição? O método é realmente robusto? Quando a interpretação é falha, o caminho de decisão tomado, seja no início do desenvolvimento ou no final, como exemplo numa revalidação de processo, pode ser percebido só mais adiante, com consequente gasto de tempo, energia e desperdício de recursos. Mais ainda, nenhuma falha pode causar impacto crítico na qualidade do produto, consequentemente na eficácia e segurança do mesmo. A reamostragem, por exemplo, não deve ser permitida ao analista do Controle da Qualidade sem que ele esteja devidamente treinado e na etapa de investigação permitida. Caso contrário, equivocadamente até mesmo “escolhas de melhores resultados” podem estar sendo praticadas.

Como bem colocado por K. Huynh-Ba e outros autores no HandbookofStabilityTesting in PharmaceuticalDevelopment, 2009, uma boa avaliação de dados de estabilidade pelas equipes de desenvolvimento (analítico e galênico) nas etapas iniciais de desenvolvimento pode salvar uma quantidade significativa de recursos. Infelizmente, no desejo de se obter um produto aprovado no mercado o mais rapidamente possível, muitas vezes estes estudos não são considerados e mudanças acabam ficando para serem geridas pelas equipes de Garantia da Qualidade e de Assuntos Regulatórios no pós-registro do medicamento.

Deve ter- se me mente que durante o processo de comercialização mudanças serão inevitáveis para se acompanhar a tecnologia ou para se melhorar processos e custos e deve ser feita por uma equipe multidisciplinar. Variáveis como equipamentos, fornecedores, componentes da formulação, entre outras, também irão continuar contribuindo para mudanças. Existe uma classificação para cada uma delas (menor, moderada ou maior) e na maioria dos casosserão necessários novos estudos de estabilidade para dar suporte.

Muitas diretrizes regulamentares e técnicas estão disponíveis para facilitar a avaliação global de mudanças, a partir da observação crítica de dados. Porém, a capacidade para se implantar todas as alterações de forma eficaz e eficiente é dependente da qualidade e estratégia do plano e da sua execução. Uma política de transparência e investimentos na capacitação é recomendada, para o aprimoramento contínuo da qualidade.

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