Toda a ação planejada pode ou não levar a um ganho ou ter uma consequência adversa. A escolha por um caminho ou outro vai depender do grau de certeza (saber o que vai ocorrer) e incerteza (não saber o que vai ocorrer). Tomar uma decisão com informações insuficientes incorre no que chamamos de risco que tem a ver com a capacidade de lidar com a incerteza e aí se entra no campo da probabilidade. O risco à saúde dá o desdobramento de todas as atividades necessárias para garantir que um produto farmacêutico tenha a segurança adequada à sua utilização. E é no campo das Boas Práticas de Fabricação que o setor vem evoluindo dentro das regulamentações das suas atividades industriais.
Os aspectos microbiológicos tanto na produção de medicamentos e como na de alimentos impulsionaram o desenvolvimento de duas metodologias:
a) A “validação de processo” (VP) que nasceu da necessidade de assegurar a efetividade da etapa de esterilização dos produtos injetáveis e o conceito se estendeu para outras formas farmacêuticas.
b) A “análise de perigos e pontos críticos de controle” (HACCP) sistema desenvolvido primeiramente na produção de alimentos para os voos espaciais tripulados e que se estabeleceu como um enfoque sistemático para a inocuidade dos alimentos industrializados.
As duas metodologias baseiam-se no princípio da prevenção:
a) A primeira demonstrando que um processo específico é capaz de produzir de maneira constante e uniforme um produto que corresponda às suas especificações e características de qualidade através de uma documentação clara e evidente.
b) A segunda através da análise prévia de riscos potenciais, identificação dos pontos críticos, adoção de medidas, procedimentos e ações garantindo um controle efetivo e documentado de um determinado processo.
As duas metodologias evoluíram de maneira independente de forma que a “Validação de Processo” apesar de conter a análise de risco como uma de suas atividades tornou-se uma metodologia de custo cada vez mais elevado e com uma abordagem rígida dificultando até a aplicação de melhoria contínua nos processos validados; enquanto a “Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle” como metodologia em si tornou-se uma poderosa ferramenta de decisão na aplicação dos recursos tornando os processos mais flexíveis desde que os riscos fossem calculados.
A HACCP atualmente apresenta-se como uma das ferramentas de gerenciamento do risco em que pontos de controle podem ser identificados como parâmetros críticos do processo permitindo a melhoria contínua e um maior conhecimento do processo. Apresenta como inconveniente a necessidade de revisão periódica a fim de incorporar as modificações introduzidas nos processos e não é recomendável aplicar em novos processos ou processos com poucos dados históricos.
O uso do gerenciamento do risco na indústria farmacêutica (cada vez mais com seus recursos limitados), até então subutilizado, toma corpo com a publicação do guia ICH-Q9 que propõe uma reorganização do sistema de qualidade tornando a avaliação do risco em todas as etapas e atividades da manufatura do produto farmacêutico e seus ingredientes um componente importante na manutenção da qualidade ao longo de todo o seu ciclo de vida. A utilização dessa metodologia não isenta a obrigação da indústria farmacêutica em cumprir com os requisitos regulatórios (principalmente a validação dos processos), mas por outro lado proporciona meios proativos de identificar potenciais problemas de qualidade no desenvolvimento e manufatura assim como melhora o processo decisório no caso defeitos de qualidade.
O gerenciamento de riscos da qualidade com base em conhecimento científico, direcionado à segurança do paciente e nível de esforço, formalidade e documentação proporcional ao nível do risco promete ser um processo de suporte que venha a facilitar a comunicação entre a parte regulada e a parte reguladora: uma demonstrando sua competência em administrar o risco sanitário e outra de cumprir o seu papel de fiscalizador com um grande nível de assertividade.
REFERÊNCIA
“Estrutura de um novo sistema da qualidade para a indústria farmacêutica” – coordenação Lauro Moretto e Jair Calixto. SINDUSFARMA, São Paulo.