Nos países mais desenvolvidos, a pressão industrial por registros de patentes e domínio do mercado farmacêutico está direcionada à descoberta de substâncias, estruturalmente inovadoras e com potencial para avaliação farmacológica. A resposta a esta demanda estabelece um novo paradigma na busca por compostos-protótipo. Assim, diferentes modelos de conformação molecular têm sido desenvolvidos, criando verdadeiras “quimiotecas” de estruturas moleculares, gerando expectativas e, na maioria das vezes, resultados frustrantes.
Entre as técnicas de criação de novos compostos a CADD (computer-assisted drug design), o HTS (high throughput screening) e a Química Combinatorial têm tido maiores destaques.
A modelagem molecular e o desenho de moléculas com potencialidade farmacológica, desenvolvida através de técnicas computacionais (CADD), têm tido um impacto significativo na compreensão da estrutura e da função biológica de novas moléculas. A capacidade para “visualizar” um modelo estrutural, proporcionada por CADD, tem trazido grandes avanços para a química medicinal, seja na remodelação de moléculas conhecidas, seja no desenvolvimento de novos agentes terapêuticos.
Paralelamente, a miniaturização e o desenvolvimento de dispositivos automatizados para a realização de ensaios biológicos, HTS (high throughput screening), possibilitam a avaliação de uma grande quantidade de substâncias frente a novos alvos.
A química combinatória apresenta um grande crescimento, que começou com a preparação da primeira coleção de moléculas orgânicas pequenas no início dos anos 90. (ELMANN et al. 1992). As coleções combinatórias podem ser divididas entre as preparadas por síntese paralela ou por mistura. Na síntese paralela, as etapas sintéticas são realizadas simultaneamente, mas as reações não ocorrem da mesma forma. Na síntese por mistura, as etapas ocorrem simultaneamente quando uma mistura de reagentes é adicionada a um substrato (building blocks). Na síntese paralela, a coleção combinatória é composta por algumas centenas de compostos. Na síntese por mistura as coleções combinatórias podem originar milhões de compostos.
De qualquer forma seja por CADD, HTPS ou Química Combinatorial o processo de obtenção de novas moléculas é quase totalmente ao acaso.
Muito comumente é relatado na literatura a preparação destas coleções como ferramenta para a otimização do composto-protótipo (lead optimization), que pode ser tanto produto natural ou um composto proposto por modelagem molecular, ou um composto sintético identificado numa primeira coleção combinatória. Um bom exemplo desta estratégia foi reportado por Hoekstra et al., 1996, com a preparação de uma coleção de derivados da nipecotamida, composto inibidor da agregação plaquetária induzida por colágeno. “Neste estudo foi, inicialmente, preparado uma pequena coleção de derivados da nipecotamida para avaliação do efeito de substituições bioisostéricas em duas posições (X e Y). Posteriormente, após escolhidos os substituintes mais apropriados para as posições X e Y, foram preparados derivados que avaliaram a influência do número de carbonos no anel central (n = 0, 1 e 2), bem como de diferentes substituintes em uma posição Z a partir da incorporação de β aminoésteres 3-substituídos. Este estudo resultou na identificação de apenas um derivado que, após síntese estereosseletiva, foi submetido aos ensaios farmacológicos e se mostrou 60 vezes mais potente no ensaio in vitro”. (adaptado de Dias e Correa, 2001) Contudo, a utilização desta substância na terapia antitrombótica foi inviabilizada por sua reduzida potência in vivo.
Uma vez que a relação estrutura atividade é apenas parte da ação terapêutica, o índice de sucesso nesta loteria de combinações químicas pode ser melhorado. Antes da efetiva ação farmacológica, o fármaco deve estar disponível para interagir de forma efetiva com os receptores. O que, predispõe que anterior ao efeito farmacológico ocorra absorção do fármaco. Para que esta absorção ocorra de forma satisfatória, a molécula do fármaco deve estar biodisponível e ser capaz de vencer as barreiras fisiológicas. Esta etapa denominada de biofarmácia é base primordial da ação farmacológica, e está relacionada ás características físicas e químicas do fármaco e dos fluídos corporais, bem como à pluridiversidade da fisiologia animal.
O racional para o desenvolvimento de novos agentes terapêuticos não está no desenvolvimento desenfreado, aleatório de novos compostos, mesmo que seja partindo de um protótipo conhecido. A otimização de moléculas, reconhecidamente ativas, é um caminho mais curto para o desenvolvimento de novos fármacos e novos medicamentos, desde que não haja alteração das propriedades farmacológicas.
No entanto, a criação de sistemas terapêuticos, a partir de estratégias biofarmacêuticas, parece ser a menor distância entre a expectativa da indústria farmacêutica, com suas demandas mercantilistas, e a necessidade clinica por medicamentos eficazes, seguros e de desempenho linear. Nesta abordagem, a inter-relação da solubilidade nos fluídos biológicos com a permeabilidade celular é um dos principais focos a ser trabalhado. A complexidade deste processo é semelhante à de um quebra-cabeça de muitas peças, o qual é mais bem elaborado quando se conhece, holisticamente, o fármaco e a intrínseca relação do mesmo com a fórmula farmacêutica, com o processo de fabricação e com o futuro comportamento em meio biológico.
Referências
Ellman, J. A.; Acc. Chem. Res. 1996, 29, 132
Hoekstra, W. J.; Maryanoff, B. E.; Andrade-Gordon, P.; Cohen, J. H.; Costanzo, M. J.; Damiano, B. P.; Haertlein, B. J.; Harris, B. D.; Kauffman, J. A.; Keane, P. M.; McComsey, D. F.; Villani Jr, F. J.; Yabut, S. C.; Bioorg.Med. Chem. Lett. 1996, 6, 2371
Araújo Dias R.L., Corrêa, A.G. Quimica Nova. 2001. 24, 236.
Blaney, J.M. Martins, E.J. Current Opinion in Chemical Biology 1997, 1, 54.
Shi, R., Sugawara I. Tohoku J. Exp. Med. 2010, 221, 97.
Moller, C., Slack, M. Drug Discovery Today. 2010, 15, 384.
Nisbet, L.J., Mooret, M. Current Opinion in Biotechnology. 1997, 8, 708.