“Quando eu era criança, eu e meus irmãos vivíamos correndo e brincado pela rua com meus primos. Lembro-me de uma época em que éramos, ao todo, 32 crianças, entre 3 e 15 anos...eram meus 9 irmãos e irmãs e mais 23 primos e primas de minhas outras três tias. Nós éramos muito felizes”, relembra a aposentada de Diadema (SP), Vera Cristina Coelho, de 76 anos. Apesar de toda a felicidade citada por ela, é fato que essas quatro mulheres (as mães) produziram, em média, oito crianças cada! Isso era muito comum naquela época, mas estava um pouco acima da média de fecundidade medida pelo IBGE, que era de 6,2 filhos por mulher (1940-1950). A discrepância é que essa mesma taxa despencou para 1,77 filho por mulher em 2014.
O processo de redução das taxas de natalidade teve início na década de 1960, com a introdução no País dos métodos anticonceptivos orais – as pílulas, propriamente ditas. Com isso, as taxas de crescimento da população começaram a experimentar paulatinas reduções, uma vez que a mortalidade continua em sua trajetória declinante (devido aos programas de saúde) aliada às quedas sucessivas das taxas de fecundidade.
Uma pergunta que não quer calar: de que forma o simples lançamento de um produto farmacêutico no mercado, aparentemente tão pontual, pôde mudar tão drasticamente o destino de todas as famílias e, especialmente, de todas as mulheres no mundo? Elas tinham escolha! Elas puderam escolher não ter tantos filhos...não dedicar tanto tempo aos afazeres que envolvem uma dúzia de crianças na casa e, o mais importante, escolher o sexo simplesmente por gostar dele!
Lá pelos idos de 1960, essas senhoras, que estavam acostumadas a cuidar dos filhos, marido e das tarefas domésticas, vislumbraram um horizonte antes inimaginável, ou seja, a possibilidade de se tornarem seres produtivos perante os olhos da sociedade e perante elas mesmas (não que não fossem!). Conquistar o poder de cuidar de seus novos anseios e necessidades, que extrapolaram o universo familiar, deu a elas maior direito à saúde, à cidadania, à sexualidade, à igualdade de gênero e à felicidade mais plena.
Por conta disso, se descortinou uma nova trajetória que seguiu para uma ascensão feminina em diversos aspectos da atuação na sociedade. É uma revolução de dentro para fora que permeia os anseios e desejos femininos de cuidados com o próprio corpo, com sua educação, com sua vida profissional e suas relações afetivas e sexuais.
E tudo isso se deve a uma pequenina pílula mágica! Desde a sua adoção, esse método contraceptivo tem permitido às mulheres um controle sobre a sua fertilidade e a possibilidade de ter, de forma segura, um número maior de parceiros sexuais e, acima de tudo, praticar o sexo com prazer.
As meninas também estão diferentes
Essas mulheres educaram suas filhas de forma diferente. E a filhas educaram as suas filhas do mesmo modo. A nova geração, de netas e bisnetas da pílula, tem uma conduta que tende a ser mais contemporânea. Essas meninas iniciam sua vida sexual mais cedo, tem alguns parceiros antes de se casar e sentem-se menos receosa para lidar com a própria sexualidade.
De acordo com o Estudo Mosaico Brasil, coordenado pela professora da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade ProSex, Carmita Abdo, a analogia entre a idade atual e a primeira relação sexual aponta: mulheres com 18 a 25 anos tiveram sua primeira relação aos 15,6 anos; com 26 a 40 anos ocorreu aos 18,3 anos; entre 41 anos e 50 anos, aconteceu aos 19,9 anos; em mulheres com 51 anos a 60 anos, a relação foi aos 21 anos; e nas mulheres entre 61 anos e 70 anos, a primeira relação sexual ocorreu aos 22,2 anos, provavelmente no casamento.
Essas adolescentes começam cedo e, cada vez mais, precisam de métodos contraceptivos. As pílulas anticoncepcionais, amplamente disseminadas desde a década de 1970, são responsáveis por uma grande revolução para a humanidade, porque também reduziram o número de gestações indesejadas e o total de mortes maternas. Assim, desde seu lançamento, há 55 anos, muita coisa se modernizou no mundo da contracepção.
Vale lembrar que, logo no começo, as pílulas eram bombas de hormônio. Com o passar dos anos, elas foram reproduzindo a fisiologia do organismo e se moldando às necessidades de cada mulher, de acordo com seu estilo, hábitos diários e histórico médico. Pílulas com menor dosagem de hormônio e formas de contracepção alternativas surgiram, como o lançamento mais recente de uma pílula com combinação da progesterona acetato de nomegestrol com o estrogênio 17B-estradiol, que vem como uma opção ao sintético etinilestradiol comumente usado nas versões orais. Essa combinação oferece alguns benefícios, como períodos mais curtos e com menor volume de sangramento (uma tendência da atualidade).
Os fabricantes nacionais oferecem atualmente opções seguras e diversificadas, como o Elani (Libbs), Selene (Eurofarma), Yaz e Yasmin (Bayer), Diane (Schering) e Ciclo 21 (Union Quimica), Diclin (Merck), entre outros.
Claro que há diferentes métodos de contracepção, e nenhum deles é o ideal. O que existem são inovações que vão atendendo necessidades específicas das pessoas modernas, que proporcionam um leque muito amplo à disposição de mulheres que desejam evitar a concepção. Além da tradicional pílula e das camisinhas masculina e feminina, fabricantes lançaram no mercado anéis vaginais, implantes subcutâneos, DIUs hormonais, adesivos, injetáveis e mais uma infinidade de produtos, dosagens e composições.
O campo da pesquisa é vasto: há conduzindo testes com um anticoncepcional em forma de gel, que seria aplicado na barriga e absorvido pela pele, e há também quem estude uma alternativa em spray. Os pesquisadores da Universidade McGill, no Canadá, tem propostas mais ousadas: um medicamento que evitaria a gravidez ao mesmo tempo em que manteria os ovários ativos por um período mais longo, atrasando a menopausa. A expectativa é que essa opção esteja disponível dentro de 15 anos.
A escolha do método deve considerar a preferência e as necessidades individuais da usuária, no entanto é fundamental o aconselhamento de um profissional especializado, a fim de lhe permitir triar as usuárias adequadamente considerando os critérios médicos de elegibilidade para uso de anticoncepcionais.
Dessa forma, em última análise, as escolhas devem ser feitas pelas mulheres num contexto temporal, social e cultural, mas sempre levando em conta os aspectos clínicos individuais e as condições que possam representar algum risco para a saúde, dependendo do método utilizado.
Para o ginecologista, obstetra e diretor Clínico da Clínica Mãe, Alfonso Massaguer, a contracepção é fundamental para a liberdade de escolha delas. “A mulher atual é moderna, inteligente e bem informada. Na maioria das vezes é capaz de romper com tradições e pré-conceitos, usando um método que atenda suas necessidades mais específicas”, diz.
Para o médico, embora exista uma ampla gama de possibilidades de contraceptivos, cada mulher poderá ou não se adaptar a um ou outro método. “Por isso é fundamental a consulta e seguimento com especialista que discutirá possibilidades e observará a adequação da paciente quanto aos métodos escolhidos e testados, até que seja possível atingir a satisfação”, aconselha ele.
O arsenal à disposição
- Pílula Combinada – o método combina dois hormônios (estrogênio e progesterona). De ingestão oral diária, existem vários tipos diferentes em quantidade de comprimidos, dosagens e tipos de hormônios.
- Pílula só de Progesterona - comprimido diário apenas com progesterona, que deve ser tomado sempre no mesmo horário. Com esse tipo de pílula, não há intervalo entre as cartelas. Podem ser de média dose (pílula contendo desogestrel) ou de baixa dose (minipílula).
- Anel Contraceptivo - o anel, transparente e flexível, deve ser inserido na vagina pela própria mulher. Age liberando hormônios (estrogênio e progesterona) continuamente. Tem duração de três semanas com uma semana de intervalo.
- Implante Subcutâneo - bastonete de quatro centímetros de comprimento com apenas etonogestrel (um tipo de progestagênio) em sua composição, que é liberado gradualmente, impedindo a ovulação. Deve ser inserido pelo médico abaixo da pele do braço, com anestesia local.
- Adesivo Transdérmico - colocado sobre a pele das costas, do braço ou das nádegas a cada sete dias, durante três semanas consecutivas, com uma de intervalo. Age liberando hormônios (estrogênio e progesterona) continuamente.
- DIU e SIU – dispositivo com ou sem hormônio, introduzido no útero pelo ginecologista. DIU dura até 10 anos (dependendo do modelo) e o SIU, 5 anos.
- Injetável - libera estrogênio e progesterona (mensal) ou só progesterona (trimestral) gradualmente, impedindo a ovulação. É aplicado no músculo (normalmente nádegas ou braço).
Fonte: MSD
Contracepção desde o começo
- 400 a.C. - A fertilidade era controlada na Grécia antiga com técnicas curiosas, como besuntar a vagina com óleo para que o sêmen escorregasse.
- Século 2 - Soranus, um grego que vivia em Roma, recomendava o uso de substâncias inusitadas, como o extrato de romã, para controlar a fertilidade.
- Século 16 - O uso de bexiga animal parece ter sido om precursor da camisinha feminina.
1844 - A invenção da borracha vulcanizada por Charles Goodyear permite a produção em massa de camisinhas. Hoje, a maior parte delas é feita de látex.
1870 - O diafragma surgiu de aro endurecido, desenvolvido pelo ginecologista holandês W. Mesinga.
1960 - Lançamento do primeiro contraceptivo oral, com 10 mg da progesterona noretinodrel e com 150 ug do estrogênio mestranol.
1962 - Lançamento do primeiro DIU comercialmente usado.
1970 - Entrada no mercado de contraceptivos orais combinados com o estrogênio etinilestradiol, componente da maioria das pílulas atuais.
1980 - Comercialização de contraceptivos com doses menores de etinilestradiol, para redução dos eventos adversos. Atualmente, os contraceptivos orais podem conter 30 mg, 20 mg ou 15 mg de etinilestradiol.
1985 - Lançamento de pílula oral com progesterona de terceira geração.
1995 - Entrada no mercado dos contraceptivos injetáveis.
2000 - Lançamento do SIU, dispositivo intrauterino com hormônio.
2001 - Entrada no mercado do primeiro contraceptivo oral com progesterona isolado.
2001 - Lançamento do implante subcutâneo, com hormônio sintético similar à progesterona.
2003 - Criação do anel contraceptivo.
2003 - Lançamento do adesivo transdérmico.
2011 - Chegada ao mercado da pílula oral quadrifásica com valerato de estradiol.
2014 - Lançamento da pílula oral monofásica com hormônios similares aos produzidos pela mulher.
Fonte: MSD