Em toda indústria farmacêutica, os processos produtivos precisam ser eficientes e eficazes, e terem a maior qualidade e com menor custo. O controle estatístico de processo (CEP) é a ferramenta que demonstra as variações comuns ou aleatórias na produção, apontando os desvios e possibilitando suas correções, com maior agilidade e com a finalidade de diminuir custos.
De acordo com o professor do ICTQ, Joel Sampaio Guimarães, o CEP pode ser aplicado em todas as áreas da empresa, em que se busca a maior eficiência e eficácia, para diminuir os desvios e assim fazer o processo ser produtivo: “Com o CEP, há a busca e a eliminação de erros, o que possibilita o aumento da qualidade e da lucratividade da empresa. Eu diria que ele não garante 100% da solução”.
A consultora de Bioestatística e Controle de Qualidade, Francisca de Fátima de Araujo Lucena, também ressalta que o principal impacto no uso e aplicação do controle estatístico de processos na qualidade dos produtos farmacêuticos, na lucratividade e produtividade refere-se à capacidade de garantia da qualidade da produção farmacêutica, possibilitando a redução de ocorrência de não conformidades na linha de produção, diminuição da necessidade de interrupção da produtividade e de emissão de lotes de produtos que necessitem recolhimento à indústria. Ao diminuir essas ocorrências tem-se aumento de produtividade, lucratividade e capacidade de manter o nível de qualidade que os produtos do segmento farmacêutico necessitam.
Cristiana Pachego, outra especialista em BPF, diz que o processo de implementação do CEP na empresa não é uma tarefa fácil e existe somente uma maneira para fazê-lo: passo a passo. Isso, em geral, exige grande demanda de esforço e de dinheiro, mas em quase todos os casos o retorno é considerável. Os pontos críticos são definidos, as ferramentas são escolhidas e aplicadas, as amostras são coletadas e os dados analisados mediante gráficos específicos para cada fim. O ato de coletarem dados regularmente, por amostragem, desenhando gráficos e analisando a variabilidade e o comportamento dos processos empresariais minimizam rejeitos e as não conformidades às especificações. “Nesta linha de raciocínio, é importante que a colocação de gráficos de controle deva ser enfatizada no início do processo, e não no final. No final do processo o valor adicionado pelo processo de fabricação já é grande e qualquer rejeição nessa altura do jogo tem implicações desastrosas em termos de custos”, alerta a especialista. Já no início do processo, a elaboração do produto quase não começou e, portanto, a rejeição e o retrabalho ainda têm custos triviais. Em suma, nada é mais lucrativo do que uma fábrica com processos estáveis, ou seja, em que poucos itens não conformes são produzidos, o tempo improdutivo é quase zero e, quando processos saem da especificação, eles são rapidamente observados e corrigidos.
Desafios na implementação do CEP
O professor Guimarães lembra que o maior desafio é o querer corrigir os problemas, já que a competitividade é grande e muitos controles podem diminuir o ritmo da produção, aparentemente, aumentando os custos. “Por exemplo, num processo de micronização de partículas, o fato de aumentar a velocidade do processo pode diminuir a qualidade, mas e se a direção quer fazer mais e mais rápido, comprometendo todo o processo e aumentando as perdas? E se isso não foi registrado?”, provoca o professor.
Francisca defende que, dentre os principais entraves estão as diferentes especificações de equipamentos e operadores, que interferem nas escolhas dos parâmetros que fornecem as linhas de controle dos gráficos. Além disso, há a falta de domínio e conhecimento dos métodos utilizados no controle estatístico de processo por parte dos profissionais da indústria farmacêutica. “O acesso a treinamentos e qualificação específica potencialmente torna mais eficiente o processo de produção e a melhoria da conformidade dos produtos, melhorando toda a cadeia de qualidade dos produtos, produtividade e lucratividade”, diz.
Já Cristiana comenta que a certificação, calibração periódica e manutenção de equipamentos das linhas de produção são um fator limitante nesse tipo de controle, pois pequenos desvios em sua sensibilidade alteram todo o lote da produção e a parada na linha afeta diretamente parâmetros como qualidade, produtividade e, consequentemente, a lucratividade. Na maioria dos casos, as equipes corretivas ou prestadoras de serviços são externas ou terceirizadas e isso acarreta em mais tempo para estabilização na retomada da produção, que nem sempre possui linha em paralelo.
Preparação é fundamental
Para atuar com competência na área, Cristiana, ressalta que o CEP exige conhecimento em estatística para, por exemplo, realizar os cálculos da amostragem significativa dentro dos lotes de produção, para elaborar os gráficos de controle de média e mediana com desvio padrão, de variabilidade e de histogramas. É preciso dominar os conceitos de boas práticas de fabricação, parâmetros de garantia de qualidade, rotinas de processos industriais e procedimentos de validação dos mesmos. “Tudo isso aliado à capacidade de interpretação de dados para avaliação das possíveis não conformidades com consequente tomada decisão”.
Claro que, para isso, é preciso qualificação e muito preparo em sala de aula, já que o profissional farmacêutico não sai da faculdade com esses conhecimentos. Um curso específico de pós-graduação é fundamental. Por exemplo, a estudante de Farmácia da Faculdade Asces, de Recife (PE), Marina Carvalho, alega não conhecer muito bem a área do controle estatístico de processo na indústria. “Eu tive aulas sobre o tema na faculdade, no primeiro período, em instrução à ciência farmacêutica, mas de forma muito vaga e superficial”, comenta a estudante.
Guimarães afirma que, saindo da faculdade, o profissional não está pronto, pois, para atuar em CEP ele pode ser um farmacêutico (que pouco estuda números) ou um administrador ou engenheiro (que pouco sabe sobre insumos farmacêuticos). “Este profissional precisa passar por um desenvolvimento, para entender de números e processos e, a partir dessa união, conseguir entender como corrigir os desvios”, sugere o professor.
A formação dos cursos de bacharelado é geralmente generalista. Assim também acontece com os profissionais que atuam na área de controle estatístico de processos (estatísticos, engenheiros, farmacêuticos, dentre outros). Aqueles alunos que têm a oportunidade de trabalhar a temática do controle de qualidade em seus projetos finais certamente apresentam vantagem em relação aos demais. “De qualquer forma, para atuar na indústria farmacêutica é recomendada uma formação complementar na área de controle de processos, incluindo, se possível, carga horária de atividades práticas”, lembra Francisca.
Interpretar dados de análises de não conformidades numa linha de produção contínua para posterior tomada de decisão exige maturidade e segurança profissional, que devem ser conquistadas com a prática e exemplo de atuação em equipe; e isso só se conquista com experiência. “Portanto, ao trabalho! A demanda por pessoal qualificado que forneça qualidade assegurada ao produto comercializado com maior lucratividade e produtividade para indústria sempre vai existir!”, finaliza Cristiana.