Especialistas costumam dizer que há duas visões diferentes para qualificação: a obrigatória, da Anvisa e de outros órgãos sanitários, e a visão do comprador (empresário). Segundo órgãos sanitários, pode-se considerar uma forma de homologação em que são realizados (por meio de questionários complementados por visitas presenciais) desde o levantamento até a avaliação de informações dos fornecedores e suas condições de trabalho. Com isso pode-se determinar suas capacidades técnicas e aprovações para atender às necessidades de seus clientes.
Por outro lado, a qualificação do fornecedor para a indústria (empresário) é a redução do risco para o negócio. É uma forma de garantir que o fornecedor, como parceiro do seu negócio, tenha condições próximas ou semelhantes de fabricação, armazenamento e fornecimento dos produtos e serviços acordados entre as partes, e com nível aceitável de qualidade.
Vale lembrar que as exigências legais para a qualificação baseiam-se em resoluções, que diferem de acordo com tipo de auditoria referente ao produto ou serviço a ser verificado. É importante consultar atualizações no site da Anvisa e acompanhar cursos e discussões com os órgão ligados ao setor. Algumas resoluções sobre o tema: RDC 17/10, RDC 69/14, Port. 91/11 e RE 34/15.
Para a gerente de Assuntos Regulatórios do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Rosana Mastellaro, a qualificação de fornecedores na indústria farmacêutica é importante principalmente para definir as especificações e garantir a qualidade dos produtos e serviços necessários à produção de medicamentos, além de diminuir o retrabalho para os laboratórios - e os custos que dele decorrem. “Assim, a indústria farmacêutica reduz o número de ajustes no maquinário, evita desperdícios de materiais, economiza na manutenção e reposição de peças e se previne contra perdas durante a produção, entre outros benefícios”.
Ela afirma que, quando a área de controle de qualidade foi introduzida na indústria, muitos achavam que esse departamento só servia para gastar dinheiro, pois não produzia nada. Mas quando o conceito de controle de qualidade foi ampliado para garantia de qualidade, os benefícios ficaram claros. “Portanto, empresas e consumidores ganham muito com a qualificação de fornecedores. Sem ela, a indústria em geral - e a farmacêutica em particular - fica sujeita a retrabalhos, ajustes nas formulações e nos produtos e, em casos extremos, à inutilização de todo o processo produtivo”, alerta a especialista.
De acordo com o professor do ICTQ de Vigilância Sanitária e consultor farmacêutico, Gustavo Vidal Vianna, é fundamental a indústria ter a preocupação de contar com fontes confiáveis para operar no fornecimento de matérias-primas para novos produtos. Além disso, ao possuir um rol de empresas aptas a satisfazer suas necessidades de suprimento, a indústria terá sempre à mão uma alternativa para obter melhores condições de compra, o que representa redução de custo e oportunidade de negócio. Eventuais mudanças por razões farmacotécnicas, desvios de qualidade ou na prestação de serviços e terceirização são outras razões para manter ativo o processo de certificação de fornecedores.
Os benefícios de ter de fornecedores regularmente qualificados
1 - Evita devoluções que podem acarretar em atrasos do início do processo de fabricação de dado produto;
2 - Otimiza a rotina de fabricação de um item;
3- Evita não conformidades que podem ser detectadas adiante, em posições avançadas na cadeia produtiva, ou somente no fim da linha, pelo próprio consumidor, causando diferentes transtornos internos. Isso pode também afetar a imagem e a sobrevivência da empresa no mercado;
4 - Reduz o número de inspeções a serem efetuadas, no caso de um fornecedor com qualidade assegurada, otimizando os processos de recebimento e incorporação ao estoque;
5 - Reduz falhas internas e externas causadas por produtos defeituosos;
6 - Identifica claramente os problemas de qualidade nos fornecedores;
7 – Diminui significativamente os custos de inspeção e retrabalho;
8 – Melhora o relacionamento e a comunicação com os fornecedores;
9 - Minimiza a circulação de documentos e formulários impressos;
10- Compara precisamente a qualidade entre seus fornecedores;
11 – Aumenta a capacidade de negociação sobre os fornecedores;
12 – Controla de maneira eficaz as não conformidades e ações corretivo-preventivas;
13 – Certifica o processo de inspeção nas normas internacionais de qualidade.
O processo de qualificação também traz benefícios para o fornecedor, que deve estar permanentemente buscando um aprimoramento para atender às necessidades de seus clientes, sendo, portanto uma mola propulsora para sua própria melhoria contínua.
“Nos últimos anos, a qualidade dos processos internos de uma empresa tem sido bastante discutida. Entretanto, a qualidade de fornecedores não tem recebido a mesma atenção, embora em algumas empresas o custo com fornecedores represente uma parcela significativa do custo total”, fala Vianna. A qualificação dos fornecedores constitui uma importante ferramenta para a promoção da melhoria contínua entre a relação fornecedor/cliente. Num mercado cada vez mais exigente, em que a qualidade é um diferencial competitivo, isso se constitui numa real necessidade. Muito além de ser uma exigência das Boas Práticas de Fabricação para os produtores de medicamentos, é uma garantia de melhores aquisições e de menor índice de não conformidades associadas.
Uma grande dificuldade enfrentada por empresas de pequeno porte, segundo Vianna, é a falta de recursos necessários para o desenvolvimento de um programa eficiente de qualificação de fornecedores. As grandes empresas, de modo geral, têm infraestrutura para a realização de todas as análises requeridas para a comprovação da qualidade do material adquirido, principalmente quando se trata de matérias-primas. Por outro lado, as indústrias de pequeno porte demonstram uma forte limitação. “Diante desse fato, uma solução interessante seria a criação de um banco de dados vinculado a uma entidade representativa de classe, em que haveria informações aprofundadas sobre fornecedores de matérias-primas, ficando à disposição de qualquer empresa farmacêutica”, sugere ele.
Modelos de Qualificação
De acordo com a professora do ICTQ de Qualificação de Fornecedores, Patrícia Steinmetz, atualmente há diversos modelos disponíveis para qualificação de fornecedores, porém nem todos são aplicáveis integralmente, pois dependem de cada empresa e de quais as normas internas são seguidas. “Eu sugiro aos meus alunos que, como empresa responsável pela qualificação, verifiquem primeiro o que já realizam internamente, considerem o que a Anvisa exige e estreitem o relacionamento com seus fornecedores antes de qualquer visita ou solicitação de documentos. Peçam aos fornecedores contatos de outros clientes deles que tenham feito qualificações e, se possível, troquem algumas informações”, comenta ela.
As auditorias precisam ser realizadas com o conceito de ganha-ganha, ou seja ‘eu quero ser parceiro deste fornecedor e também o quero como parceiro’. Há algumas indústrias que querem exigir muito dos fornecedores, mas elas internamente não têm o mesmo padrão de qualidade que exigem, daí encontrar fornecedor vira uma missão difícil ou quase impossível.
Patrícia destaca que o fabricante final do produto é o responsável pela qualidade total daquele item, mesmo que ele terceirize parte do seu processo, por isso a importância da qualificação em toda a cadeia produtiva (matérias-primas, materiais de embalagem e etapas de fabricação/embalagem) é muito grande.
“Para que todos possam entender, é como se em uma receita do meu bolo eu comprasse ingredientes baratos que ficaram expostos no sol e que a embalagem estivesse amassada. Depois de feito com muito cuidado e assado na temperatura ideal, o meu bolo não cresceu e ficou com gosto estranho. Nesse momento preciso verificar e repassar todas as etapas, será que os meus ingredientes estavam íntegros?”, indaga ela.
Na indústria farmacêutica, por mais que existam testes do controle de qualidade e produtos de degradação, ainda há compostos formados por falta de qualidade no armazenamento, fracionamento e fabricação que não podem ser encontrados em sua totalidade. Seria perda de recurso e tempo analisar totalmente cada produto ou material, por isso a qualificação é extremamente importante.
Em termos de custo, Vianna diz que é difícil mensurar esse quesito em cada empresa, mas com toda certeza o valor é mínimo perante o custo de sua produção não ser comprometido por um produto não qualificado. “O ideal é cada empresa, dentro do setor de qualidade, considerar que é um investimento e nunca pode ser encarado como custo. Nos tempos modernos de tecnologia e exigências internacionais, deve-se prever um budget que comtemple também viagens e outras despesas”.
Já os prejuízos são imensuráveis, podendo colocar todo processo produtivo em risco. Para ele, nas análises de risco executadas nas empresas são considerados desde seu armazenamento no fabricante até a entrega para a indústria iniciar seu processo produtivo. É imensamente prudente fazer uma análise de risco que contemple todas as intempéries possíveis para reduzir o risco de perdas na produção ou no controle de qualidade, lembrando que todo o processo deve ser rastreável.
Perfil adequado
Um bom auditor precisa ser um bom negociador e bom observador (isso quer dizer falar menos e ouvir mais, sem interromper o auditado). Patricia afirma que, em suas aulas, aplica uma dinâmica simulando uma auditoria para que os alunos percebam que um bom processo começa estreitando laços de confiança. É preciso aprender a fazer perguntas compostas (são duas perguntas para obter o resultado do que se precisa quando a pessoa auditada não responde diretamente) e principalmente observar o ambiente, incluindo o comportamento das pessoas no local. “O papel do auditor é fazer perguntas para coletar informações, observar e registrar os fatos coletados. Não pode haver ponto de vista, discordâncias, críticas, falta de respeito e opiniões, este momento é de imparcialidade e transparência (nada de esconder o que você relata). Caso não entenda ou queira clarificar melhor o que encontrou, pergunte novamente com outras palavras. É importante também fornecer com antecedência o roteiro de auditoria para a empresa a ser auditada se preparar e depois não demorar para enviar um relatório final. Ela acredita que 10 a 15 dias é um prazo ideal.
Para Rosana, há vários critérios que habilitam os fornecedores. O preço também conta, mas não é o principal. Frequentemente, há especificações farmacopeicas que precisam ser cumpridas. Por isso, uma regra fundamental na indústria farmacêutica é a rotina de auditoria e supervisão dos fornecedores por parte dos laboratórios. Trata-se de uma exigência que deve ser atendida obrigatoriamente. Caso contrário, o fornecedor será automaticamente desqualificado. “Em suma, boas condições de preço e prazo são levadas em conta, mas não se sobrepõem aos rígidos critérios técnicos requeridos na fabricação de medicamentos”, afirma ela.
Nesta perspectiva, o ICTQ mantém em sua agenda de Cursos de Atualização programas que visam capacitar e atualizar os farmacêuticos que atuam na Qualificação de Fornecedores.
Bastante pressão
Em algumas empresas que já atuam com qualificação há mais tempo, como multinacionais e outras maiores, o processo costuma ocorrer de forma mais natural, já que os fornecedores já estão acostumados e preparados. Os problemas e pressões maiores ocorrem com os menores e novos fornecedores bem como nas pequenas e médias empresas que ficam preocupadas com as inspeções da Anvisa, e que podem ser difíceis quando não se tem experiência ou históricos de pendências e restrições. “Minha sugestão é que os profissionais contratados para auditorias sejam bem treinados e conversem com quem já atua neste ramo há mais tempo. Assim, podem trocar informações e modelos de roteiros e relatórios compatíveis com sua empresa e os auditados. Muito cuidado ao usar modelos de outras empresas, pois alguns auditores da Vigilância podem lhe questionar de onde as questões foram baseadas quando se diferem do necessário exigido pela Anvisa”, alerta Patricia.
O fato é que é necessário que haja mais parceria entre fornecedores e indústria, assim todos podem trabalhar com o conceito do ganha-ganha, como nas negociações de compra e venda. Ambos precisam entender que, neste caso, flexibilidade e exigências estão de mãos dadas.