Como é o dia a dia do farmacêutico que trabalha no Sírio Libanês

Sabe aquele farmacêutico gerenciador de estoque e dispensador de medicamentos? Esqueça! Em hospitais de referência ele não existe mais! Esse perfil já ficou no passado longínquo e deu lugar a um profissional responsável pela atuação clínica de uma farmácia hospitalar e, ainda, por toda sua parte administrativa, integrando uma extensa equipe multidisciplinar. Essa é a função de um farmacêutico que atua no Hospital Israelita Sírio-Libanês.

“Há 20 anos o papel do farmacêutico dentro dos hospitais vem mudando. Éramos apenas guardadores de estoque. Com o tempo, fomos assumimos papeis diferentes no contato com o paciente. Ganhamos uma atuação ampliada”, lembra a farmacêutica, gerente da Farmácia do Sírio-Libanês, Débora de Carvalho.

Ela explica que, atualmente, esse profissional é responsável por zelar por toda a cadeia de medicamentos dos hospitais. “Aqui no Sírio-Libanês fazemos a seleção, guarda, controle, monitoramento de efeitos adversos, orientação aos pacientes. Nossos farmacêuticos visitam os pacientes e, se for preciso, propõem mudanças terapêuticas para melhorar a qualidade do tratamento medicamentoso”.

O ICTQ (Instituto de Pesquisa e Pós – Graduação para Farmacêuticos) já vem abordando a atuação desse profissional em seu portal de conteúdo. Tanto é que já publicou matéria exclusiva sobre o tema, intitulada A Carreira do Farmacêutico Hospitalar. O Instituto entende que ser especialista em farmácia hospitalar exige que o farmacêutico tenha um perfil multidisciplinar, unindo, muitas vezes, habilidades da carreira de farmacêutico gestor e farmacêutico clínico, com conhecimentos básicos de administração, habilidade para coordenação e liderança, além de conhecer as ferramentas de gestão da qualidade e ter competência para implantação da farmácia clínica, bem como capacidade de atuar em programas de atenção farmacêutica.

Equipe multidisciplinar

“No Sírio-Libanês somos certificados por entidades internacionais. Temos equipes multiprofissionais e o farmacêutico é parte da equipe multidisciplinar. O farmacêutico acaba promovendo os medicamentos para que o paciente tenha o melhor efeito terapêutico para aperfeiçoar seu tratamento”, destaca Débora.

No hospital trabalham 40 farmacêuticos (além de 16 residentes em farmácias em nível de especialização). Destes, 20 são clínicos e especialistas em determinadas áreas de atuação (pediatria, cardiologia, oncologia etc.). Os profissionais são divididos em três campos de atuação:

1 - Administrativo – farmacêuticos que trabalham na parte estrutural, financeira, recursos, processos e tecnologia. Há dois robôs e outros equipamentos automatizados. Os funcionários usam biometria para retirar medicamentos, por exemplo, integrado com a prescrição, e o medicamento é rastreado com sistemas internos de códigos de barra.

2 - Especialistas – esses profissionais atuam em farmácia clínica, farmacovigilância, tecnovigilância, educação farmacêutica, entre outros.

3 - Assistenciais – são farmacêuticos generalistas. Eles compõem um grupo de apoio técnico e logístico.

O dia a dia do farmacêutico no Sírio libanês

Entre as múltiplas atividades dos farmacêuticos dentro do Hospital Sírio-Libanês, pode-se destacar algumas delas:

- Administrar o fluxo do medicamento – planejamento de compra, aquisição, guarda, dispensação e descarte correto;

- Garantir a administração do medicamento correto prescrito;

- Prevenir contra possíveis efeitos adversos, interações medicamentosas e outros problemas relacionados a medicamentos (farmacovigilânica);

- Cuidar para que o uso de produtos para saúde e equipamentos médico-hospitalares seja seguro e correto (tecnovigilância);

- Monitorar e apoiar a equipe para certificar de que o medicamento seja usado da melhor forma possível e fazer com que isso seja assegurado junto aos demais profissionais;

- Manter contato com o paciente para orientação e dúvida com relação ao medicamento;

- Fazer a orientação de alta, quando necessário;

- Orientar o paciente com relação ao uso de medicação em casa, principalmente em caso de cirurgia de joelho e quadril;

- Municiar os pacientes com informações sobre medicamento no caso dos polimedicados, já que o paciente não pode sair do hospital com dúvidas para não agravar seu estado de saúde em casa;

- Manter contato constante com pacientes transplantados e cardíacos. Esse público deixa o hospital com muitos medicamentos necessários (imunossupressores, por exemplo). Geralmente eles têm situação crítica e seu tratamento representa um custo alto (para ele, para a operadora, para o hospital);

- Oferecer um tratamento personalizado (farmacêutico clínico), que avalia a prescrição e acompanha a evolução médica e multiprofissional, fazendo uma análise e avaliação farmacoterapêutica. Caso necessário, o farmacêutico faz contato com o médico, enfermagem e com o paciente;

- Fazer uma conciliação medicamentosa, orientando os idosos com os medicamentos de uso contínuo e os medicamentos pós-alta. Assegurar que o possível cuidador tenha entendido as informações e seja capaz de seguir o tratamento em casa;

- Incorporar e monitorar (no nível administrativo) novas tecnologias;

- Liderar comissões que avaliam os novos medicamentos, levantar estudos próprios para avaliar sua segurança e monitorar os possíveis efeitos indesejáveis, reportando-os à Avisa e ao fabricante, quando necessário.

Desafios

“No Brasil, os maiores desafios são a falta de medicamentos. Muitas vezes isso não é por questões financeiras, mas é por conta de falta de políticas públicas consistentes. Essa é uma lacuna na nossa atividade, que é transversal e interfere em toda a cadeia”, dispara Débora.

Ela lamenta que o farmacêutico, que está no final da cadeia, tenha de fazer o corpo a corpo para justificar o fato junto ao médio, o paciente e toda a equipe. Vale lembrar que a falta de medicamentos não ocorre apenas nos hospitais públicos ou naqueles com recursos escassos. Isso também acontece no Sírio-Libanês. A farmacêutica lembra que já houve a falta de penicilina porque um fabricante deixou de produzir o medicamento e há apenas dois no Brasil. O outro laboratório demorou um pouco para conseguir cobrir o mercado.

“O nosso grande desafio é aumentar a comunicação direta com o paciente. Fizemos trabalho com todos os integrantes da equipe multidisciplinar para eles entenderem o papel do farmacêutico, principalmente junto ao médico”, lembra ela. O farmacêutico foi o último profissional a integrar as equipes multidisciplinares em hospitais porque essa atuação é recente no Brasil.

O outro desafio do farmacêutico no Sírio- Libanês é melhorar a abordagem com o paciente. “Outros profissionais têm contato com paciente porque fazem exames físicos. Nós só olhamos o paciente por meio da prescrição. Nós temos de nos aproximar dele para poder entender as necessidades desse paciente”.

Débora explica que para isso foi instituída a entrevista farmacêutica com o paciente logo que ele chega, principalmente quando ele faz uso de muitos medicamentos. Assim, essas informações são usadas no prontuário.

Outro plano que deve ser executado no hospital é aumentar a variedade dos folhetos de orientação medicamentosa. “Pacientes que passaram por cirurgias de quadril e joelho já recebem um acompanhamento pós-alta, mas temos condição de orientar outros grupos produzindo folhetos didáticos”, comenta ela.

Um dos desafios recorrentes é mesmo aumentar o contato pós-alta. O paciente geralmente quer ir para casa logo que é liberado e, naquele momento, não apresenta dúvidas, mas depois que chega em casa, as dúvidas surgem e um erro na medicação pode prejudicar sua recuperação.

“Nós fazemos o acompanhamento de pacientes que passaram por cirurgias de quadril e joelho e de quimioterápicos. Teríamos de fazer isso para todos os transplantados, idosos, pacientes que saem com cuidadores contratados (que não têm muito conhecimento). Há outras oportunidades, algumas mapeadas e outras precisamos ainda mapear”, preconiza Débora.

Qualificação

Para ser um farmacêutico clínico no Hospital Sírio-Libanês, ele precisa de especialização em farmácia clínica. Para ser assistencial ele pode ser generalista.

“O aculturamento no Sírio não é fácil, porque há exigências altas. Entendemos que o paciente é único. Resguardando a questão da segurança, a gente tem de ouvir e oferecer a melhor experiência ao paciente. O Sírio é muito protocolar, mas é direcionado, e conseguir se adaptar a isso não é uma tarefa fácil. Por isso, priorizamos muito a contratação dos farmacêuticos especializados”, revela a farmacêutica.

Casos de sucesso

Para evidenciar a importante atuação do farmacêutico no hospital, Débora conta alguns casos que mostram o resultado positivo de uma intervenção responsável desse profissional.

A recém-nascida a termo, com sete dias de vida, foi transferida de outro serviço para investigação do quadro de crise convulsiva e coma. Na ocasião, foi identificada aciduria argininosuccínica (erro inato do metabolismo). Para o tratamento e controle, foi prescrito o medicamento importado Pheburane, sendo a família orientada sobre os trâmites de importação pelo farmacêutico.

Após a compra pela família e a validação do farmacêutico, assim que o medicamento estava disponível para a administração, a equipe multiprofissional detectou a dificuldade para administração da dose prescrita, visto que a apresentação comercial eram grânulos e, ao serem diluídos para infusão por sonda nasogástrica, eles não desapareciam, podendo oferecer o risco de obstrução.

O farmacêutico, com o apoio da equipe, entrou em contato telefônico com o fabricante do medicamento para verificar a possibilidade de manipulação de uma solução com os grânulos.

A empresa enviou por e-mail uma receita de preparo, que foi encaminhada para a farmácia de manipulação. Com o retorno positivo da farmácia, foi definida a concentração da solução e o volume do frasco, para que fosse possível a programação de entrega dos frascos, de acordo com as doses prescritas e estabilidade do medicamento de apenas sete dias, além da programação da família para a aquisição de novos frascos.

Após 111 dias de internação, acorreu a alta hospitalar, com a paciente se alimentado por boca, com peso adequado para a idade e fazendo contato com familiares.

Em outro caso, Débora ressalta a importância da aproximação do farmacêutico com o paciente. Com isso ele pode entender suas necessidades e aproveitar as oportunidades para realizar um trabalho adequado, com resultados positivos.

Ela conta que uma paciente, com 92 anos, foi diagnosticada com neoplasia de cólon metastática para o fígado. A senhora estava lúcida e consciente de seu diagnóstico, dos efeitos do tratamento e das implicações em relação a sua idade avançada.

Mesmo assim, ela decidiu realizar o tratamento e não apenas paliar a doença. Débora conta: “a paciente optou por tentar o tratamento, uma vez que não se sentia confortável em continuar observando a vigência de sinais de progressão de doença. Solicitei aprovação para combinação de capecitabina dose reduzida (2 g/dia D1 a D14 a cada 21 dias) com bevacizumabe 7,5 mg/Kg EV D1 a cada 21 dias, conforme dados positivos de eficácia do AVEX Trial”.

Ela diz não conseguir descrever em outras palavras, a não ser que foi um resultado admirável! Ao olhar de fora, apenas para o prontuário, um outro profissional pensaria: “por que tratar uma senhora de 92 anos? Por que insistir tanto?”.

Apesar disso, Débora lembra que, ao entrar em seu box no centro da oncologia, ela entendeu que todas as ações faziam sentido naquele momento! “Que senhora adorável...que força para viver...isso me marcou muito, principalmente sua serenidade, lucidez e força de vontade”.

Quando entrou no box, a senhora estava dormindo e sua filha a acompanhava. Débora explicou que iria orientar a medicação via oral que sua mãe iria usar, mas a filha fez questão de acordá-la. A farmacêutica estranhou, mas logo entendeu: a idosa mostrava-se muito apreensiva com relação à nova terapia, já que utilizava outros medicamentos, e não sabia a melhor forma de tomá-los todos juntos, além disso, havia o receio da quimioterapia.

“Foi uma conversa muito produtiva. Montamos uma tabela com todos os medicamentos em uso, seus melhores horários e a forma como ela gostaria de tomá-los. Ela e a filha ouviram todas as minhas orientações com atenção e se mostraram muito agradecidas com o meu papel naquele momento”, orgulha-se ela.

A senhora ficou grata à atuação da farmacêutica e a elogiou. Ela não estava mais apreensiva e preocupada com a quimioterapia VO. A filha da idosa ressaltou a importância da profissional, que sanou todas as dúvidas e teve disposição para atender e dar à paciente a devida atenção e apoio.

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