Agora é Lei. O prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio (PDT) sancionou a medida que obriga a contratação da equipe de enfermagem por parte das farmácias e drogarias que desejam prestar serviço de vacinação. Com a aprovação da lei 10.740, sancionada no último dia 29 de maio, Fortaleza se torna a primeira capital brasileira a ter legislação específica tratando dessa prerrogativa da enfermagem.
A lei municipal, criada a partir da mobilização do Conselho Regional de Enfermagem do Ceará (Coren-CE), visa assegurar as prerrogativas da Enfermagem com base no Decreto 94.406/87, que regulamenta a lei do exercício da profissão, e vai de encontro à defesa da categoria diante do RDC 197/2017, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que autoriza farmácias e drogarias a comercializarem vacinas sem a presença dos profissionais de enfermagem.
A legislação proposta pelo Coren-CE e apresentada pelo Ver. Márcio Cruz (PSD) levou em conta, ainda, o Manual de Normas e Procedimentos para Vacinação, do Ministério da Saúde. O texto normativo afirma que as atividades da sala de vacinação são desenvolvidas pela equipe de enfermagem treinada e capacitada para os procedimentos de manuseio, conservação, preparo e administração, registro e descarte dos resíduos resultantes das ações de vacinação.
Presidente interina do Coren-CE Ana Paula Lemos celebrou a conquista e informou que o órgão cearense pretende levar a proposta de lei para as demais cidades do Estado. “Essa luta começou lá atrás, quando a companheira Ana Paula Brandão, com muita responsabilidade ética e compromisso com a enfermagem, buscou apoio na Câmara Municipal de Fortaleza. Conseguimos o feito e agora não iremos medir esforços em mobilizar os Legislativos para que criem suas leis em cada um dos municípios”, assegurou Ana Paula Lemos.
A expectativa é que a medida, que já está em vigor, beneficie pacientes que deverão ser esclarecidos sobre os riscos que correm ao buscarem a aplicação de imunobiológicos sem a presença dos profissionais da enfermagem. “É importante esclarecermos que as farmácias continuarão habilitadas para aplicação de medicamentos injetáveis. Porém, aquelas que desejarem comercializar vacinas imunobiológicas deverão, obrigatoriamente, contar com a equipe composta por auxiliar ou técnico em Enfermagem e enfermeiro”, alerta Ana Paula Lemos.
O texto sancionado pelo prefeito da capital cearense diz ainda que as farmácias e drogarias que optarem por comercializar vacinas deverão ter enfermeiro responsável técnico, com certificação emitida pelo Coren-CE. Os estabelecimentos ficam obrigados, ainda, a informar a vigilância epidemiológica do Município todas as doses aplicadas nas crianças menores de 5 anos. A medida é importante para o controle de possíveis epidemias.
Já os pacientes deverão receber declaração específica em papel timbrado do estabelecimento contendo o registro do serviço de vacinação efetuado.
Mas, será que os enfermeiros são os profissionais mais aptos para aplicar vacinas? Como o Coren – CE conseguiu aprovar esse projeto? Será que faltou, por parte do Conselho Federal de Farmácia no Ceará (CRF-CE), articulação política para vetar este projeto?
Segundo o presidente do (CRF-CE) Francisco Jandry Barreto do Nascimento, há uma série de irregularidades no projeto. Para ele, somente a União poderia legislar sobre o assunto, já que se trataria de matéria trabalhista. Ele afirma, também, que um decreto presidencial dá aos farmacêuticos poder para ministrar vacinas. Sendo assim, as farmácias não precisam contratar outro profissional, que não seja o próprio farmacêutico que está apto a realizar este procedimento.
Nascimento esteve na Câmara Municipal conversando com vereadores sobre o assunto. Porém, como o projeto já foi aprovado, a entidade deve apelar à Procuradoria-Geral do Município (PGM) e ao Paço Municipal para o texto seja vetado.
Sobre a legislação federal
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a aplicação de vacinas em farmácias de todo o País. Apesar da justificativa de aumentar o número de pessoas imunizadas, é necessário entender o que está por trás da administração de imunobiológicos.
Existe uma normatização técnica criada pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) para a conservação, administração, registro e descarte dos resíduos resultantes da vacinação. Para que essas normas sejam seguidas, é necessário ter um profissional capacitado para realizar todos os procedimentos corretamente.
Torna-se um risco para a população caso este procedimento não seja executado por um profissional capacitado. Pois, a aplicação de vacina envolve competências exclusivas que somente alguns profissionais do setor da saúde possuem, tendo em vista que a habilidade técnica e o conhecimento científico são indispensáveis.
Não se trata apenas de aplicar a vacina, é necessário conhecer desde o fluxo de conduta para eventos adversos pós-vacinais até a compreensão da situação epidemiológica da área na qual o serviço de vacinação está inserido.
O referido projeto de lei é inconstitucional, uma vez que a especificação e normatização de serviços prestados por profissionais da saúde são matérias reservadas a âmbito federal, sendo competência da União legislar sobre o sistema nacional de emprego e as condições para o exercício de profissões, na forma do art. 22, incisos I e XVI, da Constituição Federal.
A lei federal 5.991/73 estabelece que a dispensação de medicamentos é privativa de farmácia e drogaria e é facultada a estes estabelecimentos manter serviço de aplicação de injeções. Na lei federal 13.021/14, a farmácia é uma unidade de prestação de serviços e a assistência farmacêutica considerando que o art. 7º destaca que farmácias poderão dispor de medicamentos, vacinas e soros que atendam o perfil epidemiológico de sua região.
A atribuição de competências ao farmacêutico é dada pela União aos Conselhos Federal e Regionais de Farmácias conforme lei federal no 3.820/60 e decreto federal 85.878/81. Além das resoluções do CFF no 574/13, substituída pela resolução no 654/18, definiu as atribuições do farmacêutico na dispensação e administração de vacinas.
Portanto, é somente o farmacêutico que possui a competência e o amparo legal para a prestação dos serviços de vacinação e para ser o responsável técnico pelo estabelecimento, atuando com autonomia e competência técnica para prestar à população brasileira, os serviços de vacinação.
Infelizmente, o que está por trás desse processo são preocupações meramente corporativistas, sem respaldo legal ou sanitário. Farmácias são unidades que prestam serviços de assistência farmacêutica e assistência à saúde, sob responsabilidade exclusiva do farmacêutico habilitado.