Os especialistas em gerenciamento por categorias (GC) concordam: a manutenção, da maneira correta, dos Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) e de produtos de Higiene Pessoal e Cosméticos (HPC) no autosserviço aumenta a compra por impulso e, consequentemente, o faturamento do ponto de venda (PDV). Apesar disso, a maioria dos PDVs mantém cerca de 70% da categoria dos MIPs longe das mãos do consumidor, ou seja, confinados atrás do balcão. Esta é a conclusão da pesquisa realizada pela Hypera.
A diretora comercial da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), Karen Corridoni, diz que por mais que muitas farmácias mantenham MIPs no autosserviço, ainda falta um trabalho aprofundado de gerenciamento de categorias em muitas redes ligadas à Febrafar. “Temos estudos que mostram que grande parte das farmácias não possuem ainda MIPs fora do balcão e é essa a percepção que queremos mudar”.
Vale lembrar que o gerenciamento por categorias consiste em definir grupos de produtos conforme a necessidade que atendam (antigripais, idosos, vitaminas etc.) e gerenciá-los como se fossem unidades estratégicas de negócios. A ferramenta tem como objetivo aumentar as vendas e a lucratividade por meio de esforços para agregar maior valor ao consumidor final.
Com base nesse conceito, a Febrafar desenvolveu um projeto especial de gerenciamento por categorias para as suas redes, cujo diferencial é a parceria com algumas organizações. “Iremos a campo para mostrar aos proprietários de farmácias os caminhos para que a exposição dos MIPs seja adequada e as melhores estratégias sejam aplicadas”, afirma Karen. Os números da pesquisa mostram que, em média, nas farmácias do Brasil apenas 10% do espaço de vendas são destinados a essa categoria.
Os principais desafios do projeto são, primeiramente, retirar os medicamentos do lado de trás do balcão, colocando a categoria no autosserviço da maneira correta. Depois, haverá a montagem de um mix ideal por Estado e, por fim, a padronização do layout dos PDVs.
O projeto, em primeiro momento, será apoiado pela Hypera, Pfizer, Sanofi, Abimip e IQVIA. O piloto já teve início no interior de São Paulo, com a contratação de um profissional, em parceria com a IQVIA, que está sendo capacitado para que possa ir às farmácias e direcionar esse processo de maneira assertiva.
Será opcional para os PDVs aderirem ao projeto e escolherem o modelo de GC que desejam aplicar. Após esse primeiro momento, ele será replicado em todo o País, dando a devida exposição a esse importante grupo de medicamentos.
Projeções
Apesar do recente investimento das grandes redes de farmácias e dos grupos associativistas no gerenciamento por categorias, estimulados pelo aumento da concorrência, o setor ainda está dando os primeiros passos no desenvolvimento da ferramenta.
Para que se torne algo naturalizado na operação, como já ocorre no varejo alimentar, isso deve demorar, ao menos, cinco anos. A avaliação é da consultora especializada no setor e autora do livro Merchandising Farma, Regina Blessa: "Nos últimos três anos todos têm começado a falar que fazem sua gestão por categorias, mas isso não ocorre. O que as grandes redes fazem hoje é o que eu chamaria de 'arrumação' por categorias", ironiza.
A especialista acrescenta que, mesmo em se tratando da organização dos produtos, muitas redes deixam a desejar. "Às vezes você entra na loja e vê que nem mesmo toda a categoria está agrupada; e quando você analisa a prateleira, percebe que o produto que está na parte de cima não é o que mais vende ou o que tem a maior margem", exemplifica.
Redes vão se estruturando
A diretora da consultoria Mind Shopper, Alessandra Lima, afirma que de fato o desenvolvimento do gerenciamento por categorias no setor de farmácias ainda não possui a mesma maturidade que se vê no varejo alimentar. Ela aponta, no entanto, que nos últimos quatro anos o interesse do ramo na aplicação da estratégia tem crescido consideravelmente. "As grandes redes estão estruturando áreas de gerenciamento por categorias e têm começado a demandar, cada vez mais, esse processo das indústrias", ressalta.
Ela explica que o maior interesse se deu, em parte, pela consolidação do setor, com os recentes movimentos de fusões e aquisições. Isso fez, em sua visão, com que o cenário competitivo ficasse ainda mais difícil. "Dessa forma, não dá mais para crescer só com expansão, e é necessário buscar outras plataformas de crescimento. Surge essa preocupação de trazer mais incremento para a loja por meio do desenvolvimento das categorias", informa Alessandra, acrescentando que esse é um processo natural e que está ligado à profissionalização, cada vez maior, do segmento.
O diretor geral da Farmarcas, administradora de redes associativistas que engloba oito grupos e mais de 500 drogarias, Paulo Costa, afirma que foi justamente esse o motivo que levou a empresa a começar a trabalhar na gestão das categorias há cerca de dois anos. "É uma forma de se diferenciar. Quando você aplica o GC na loja, você percebe que a performance dela realmente melhora".
Ele conta que, nas farmácias da rede, o foco atualmente é apenas no gerenciamento da categoria de MIPs, mas que a intenção é ampliar o escopo. Sobre o desempenho, Costa afirma que houve um incremento de cerca de 30% no faturamento da categoria após o início do trabalho: "As lojas novas que abrimos já têm, por padrão, uma área para os MIPs, com mobiliário e nomenclaturas padronizadas. Há toda uma sistemática. Até mesmo a cor do espaço remete ao sintoma da doença".
Os medicamentos isentos de prescrição são a categoria que mais atrai os consumidores às farmácias e às drogarias. De acordo com dados da consultoria IQVIA, 52% das pessoas sempre adquirem um MIP e ainda contribuem para o consumo de outros artigos.
Em pesquisa realizada pelo ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico foi observado que o índice de brasileiros que frequentam regularmente as farmácias é de 94% no Brasil. Destes, 83% têm o hábito de frequentar as drogarias por, pelo menos, uma vez ao mês, o que denota a importância desse canal na venda de MIPs. Além disso, 54% da população brasileira declararam consumir algum medicamento regularmente, ou seja, aproximadamente 73,8 milhões.
Dificuldade
Regina afirma o trabalho realizado pela Farmarcas e por outras drogarias ligadas à Febrafar são os cases mais avançados sobre o tema GC, a exemplo do desenvolvido pela Raia Drogasil. "Mas se formos conferir no ponto de venda se a arrumação das farmácias está no mesmo nível daquela feita por um supermercado que realmente faz gerenciamento por categorias, veremos que o GC deste último está anos-luz à frente das drogarias", lamenta a consultora.
Um dos principais empecilhos para isso, de acordo com Regina, é o relacionamento do varejo com a indústria, que ainda é fraco no setor farmacêutico. "O varejo alimentar sempre recebeu muito investimento da indústria, o que fez com que ele se qualificasse muito mais rápido. Já a produção farmacêutica sempre investiu menos, portanto tudo que as drogarias queriam fazer tinha que sair diretamente do resultado delas", explica.
Ela acrescenta que foi justamente esse cenário que fez com que o varejo alimentar caminhasse mais rápido, e o farmacêutico ficasse para trás em termos de gestão.
Gerenciamento dos MIPs
O farmacêutico, ou o gestor da farmácia, deve priorizar o planejamento do layout do PDV. Por conta disso, Regina ressalta o quanto é importante ter conhecimento em gerenciamento de medicamentos nos estabelecimentos.
O gestor deve pensar primeiro em facilitar a entrada e a circulação dos consumidores. Depois, em expor os produtos separados por classe terapêutica, de forma categorizada, para que o autosserviço realmente aconteça. “O balcão de medicamentos tarjados deve ficar ao fundo, o que leva os consumidores a caminhar pelos corredores das gôndolas de MIPs e de higiene pessoal e cosméticos (HPC). É preciso montar os caixas em locais bem visíveis e sem aqueles ‘currais’ que fazem as filas parecerem intermináveis”.
Para aumentar as vendas fazendo ajustes no layout, a especialista indica montar bons planogramas de exposição em cada gôndola. Assim, o gestor vai precisar contratar menos balconistas, pois o autosserviço fluirá melhor. Segundo Regina, isso otimiza o tempo de atendimento dos produtos na gôndola e beneficia a dispensação dos tarjados no balcão.
Para a consultora em gerenciamento, os produtos bem expostos e visíveis ao olho do consumidor vendem muito mais. “Exponha as marcas conhecidas acima das desconhecidas. Genéricos e similares podem ficar sobre o balcão, pois não precisam ser bem expostos, já que poucos consumidores os conhecem pela marca ou nome. Os genéricos e similares sempre serão uma opção para quando o dinheiro está curto”, afirma Regina.
O produto em si nem sempre é responsável pelo fracasso de suas vendas. Frequentemente é o ambiente que o cerca que desestimula o impulso de compra. Existem algumas barreiras invisíveis que bloqueiam esse impulso. Muitas lojas falham em detectar esses ‘problemas invisíveis’, que o subconsciente do consumidor registra.
Seguem alguns desses obstáculos que, embora pareçam comuns para muitas pessoas que não entendem de merchandising, eles podem determinar o fracasso ou o sucesso de um PDV:
- Má localização da loja;
- Tráfego excessivo;
- Fachada feia ou escura;
- Degraus e obstruções;
- Vitrines desorganizadas;
- Visual complicado;
- Exposição que dificulta encontrar um produto;
- Escassez ou excesso de produtos;
- Falta de preços na vitrine e na gôndola;
- Arrumação confusa;
- Decoração desestimulante;
- Tabloides ou panfletos desinteressantes;
- Atendimento inadequado e falta de simpatia dos funcionários.
Os riscos e a legislação
A farmácia é o local mais adequado para a dispensação de medicamentos, pois é um estabelecimento de promoção de saúde. Mesmo com os MIPs fora do balão, ou seja, dispostos no autosserviço e sob os preceitos do gerenciamento por categorias, vale lembrar que seus usuários precisam receber a orientação dos farmacêuticos sobre sua correta utilização para evitar a automedicação.
Considerado problema recorrente no Brasil, o consumo de medicamentos por conta própria acarreta riscos à saúde da população. Uma pesquisa realizada pelo ICTQ, sobre automedicação no Brasil, aponta que 76% dos brasileiros consomem medicamentos sem prescrição médica.
De acordo com a RDC 41/12, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os MIPs podem permanecer ao alcance dos usuários nas gôndolas de farmácias e drogarias de todo o País. Essa resolução é fruto de muitas discussões e discórdias no cenário farmacêutico nacional.
Tudo começou em 2009, quando a RDC 44 da Anvisa foi publicada. Ela determinava a retirada de todos os MIPs das gôndolas e definia que eles deveriam ficar atrás do balcão, fora do alcance das mãos do usuário.
Essa determinação visava à proteção do paciente e usuário de medicamento, pois, obrigatoriamente remetia o consumidor a buscar o produto junto ao profissional farmacêutico do estabelecimento. Por sua vez, ele disponibilizava a informação de maneira ativa, promovendo o uso racional dos medicamentos.
As farmácias tiveram, então, que aproveitar o espaço ocupado anteriormente pelos medicamentos nas gôndolas, e muitas o fizeram introduzindo outros produtos relacionados ao bem-estar e à saúde, tais como os suplementos especiais e os nutracêuticos.
Extremamente questionada, a RDC 44/09 rendeu à Anvisa cerca de 70 processos judiciais. Além disso, 11 Estados criaram leis que reverteram a resolução. Esse movimento obrigou a Agência a reavaliar a RDC 44/09. Como resultado dos estudos promovidos, a Anvisa concluiu que a manutenção dos MIPs atrás do balcão não contribuiu para reduzir o número de intoxicações no País e ainda provocou o predomínio da ‘empurroterapia’ e prejuízo ao direito de escolha do consumidor no momento da compra dos MIPs.
A partir dessas evidências, a Anvisa decidiu alterar o artigo 40 da RDC 44/09 e permitir que os medicamentos de venda livre voltassem a ficar ao alcance do consumidor nas gôndolas dos pontos de venda, o que deu origem à RDC 41/12.
Essa nova norma, porém, exige que os MIPs fiquem em área segregada ao local destinado aos produtos correlatos, como cosméticos e alimentos funcionais, e sejam organizados por princípio ativo para permitir a fácil identificação pelos usuários.